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SEGURANÇA ALIMENTAR
Economista defende investimento em pesquisa agrícola para gerar competitividade internacional
Sachs sugere que Lula procure empresas
Associated Press
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O economista Jeffrey Sachs durante entrevista coletiva |
DE WASHINGTON
Fome no Brasil não se combate
apenas com cartões magnéticos e
vales, mas com biotecnologia e
pesquisa. A opinião é do economista Jeffrey Sachs, da Universidade Columbia, para quem o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, deveria procurar
grandes companhias de biotecnologia, como a Monsanto, e dizer:
"Quero erradicar a fome no Brasil. Não nos veja apenas como um
mercado. Em vez de empurrar
tecnologias americanas que podem não ser apropriadas para o
país, trabalhem com nossos cientistas para descobrir as necessidades distintivas e os desafios específicos do Brasil. Há um enorme
campo a ser explorado".
Sachs é diretor do Instituto Terra, um centro de estudos na Columbia destinado a buscar um
"futuro sustentável para os pobres". Ele assessora o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, na obtenção das metas do milênio das
Nações Unidas, que incluem melhor acesso a água, saneamento,
energia, saúde e alimentação.
(MARCIO AITH)
Folha - "Fome Zero" pode ser um
projeto realizável ou é apenas um
lema de efeito político?
Jeffrey Sachs - Lula está certo ao
fazer do Fome Zero a prioridade
de seu governo. É um objetivo válido, que pode ser obtido. Mas depende de uma boa estratégia.
Uma solução seria melhorar a
produtividade agrícola, especialmente dos agricultores pobres.
Trata-se de uma questão de tecnologia, know-how e melhor infra-estrutura. Seria inteligente para o Brasil investir em mais pesquisa agrícola. Não apenas para
garantir a segurança alimentar,
mas também a competitividade
internacional. Felizmente, o Brasil tem uma agronomia forte e
uma ecologia científica, das quais
pode desenvolver boas políticas.
Folha - Lula diz que o Brasil produz alimentos em volume suficiente e que o problema está na renda.
Além disso, seu partido é contra a
produção de alimentos transgênicos. O sr. concorda com ele?
Sachs - Creio que a agrobiotecnologia deveria ser parte de um
conjunto de estratégias que o Brasil pode introduzir para erradicar
a fome. Seria um grande erro, em
minha opinião, descartar novas
formas de conhecimento. O Brasil
precisa não só melhorar as tecnologias tradicionais, aprimorando
as variedades de sementes, a fertilidade do solo e a produção, como
também investir nas novas. Creio
que os EUA, a China e a Índia farão grandes avanços em novas
tecnologias baseadas em genética.
O Brasil poderia estar entre os líderes mundiais nessa área.
Folha - A União Européia exerce
desde 1998 uma moratória de fato
sobre novas aprovações de produtos geneticamente modificados.
Essa moratória está bloqueando
exportações norte-americanas de
milho (US$ 300 milhões) e impedindo a introdução novos produtos
dos EUA no mercado europeu. O
Brasil é o único grande exportador
agrícola do hemisfério que ainda
mantém-se (oficialmente) livre de
transgênicos. Por que deveríamos
abraçar os transgênicos e perder a
Europa como mercado?
Sachs - Não creio que o Brasil
possa ficar de fora da revolução
biotecnológica agrícola simplesmente por medo de perder a Europa. Os europeus terão de acordar para esse assunto. Sua posição
é dogmática, não científica.
Folha - Dogmática ou não, a posição européia pode render dólares e
um mercado cativo para os produtores brasileiros num momento em
que é essencial elevar exportações.
Sachs - Não estou dizendo que o
Brasil precisa converter toda sua
produção agrícola tradicional em
produção transgênica. É preciso
haver testes, proteções e, principalmente, segregar os alimentos
não transgênicos para fins de rotulagem e para garantir exportações à Europa. É possível fazê-lo.
Folha - A posição que o sr. defende é geralmente associada aos interesses de corporações americanas, como a Monsanto, que trava
uma batalha judicial no Brasil para
introduzir um de seus produtos
transgênicos mais lucrativos. O sr.
poderia citar um único motivo por
meio do qual a sociedade brasileira
poderia lucrar tanto com essa tecnologia quanto a Monsanto?
Sachs - Os benefícios obtidos pelos consumidores e produtores
americanos são conhecidos: resistência a pestes e uso reduzido de
pesticidas. Mas reconheço que as
necessidades do Brasil nessa área
possam ser diferentes, devem ser
examinadas no contexto nacional. Tenho trabalhado intensamente com a Monsanto no último
ano para ver como a agrobiotecnologia pode ser usada em benefício dos pobres ao redor do mundo. Faço questão de dizer que
meu trabalho com a companhia
tem sido de forma não-remunerada. Essas tecnologias oferecem
avanços reais contra a fome e a
desnutrição. Pode-se, por exemplo, aprimorar o valor nutricional
dos alimentos, como no caso do
"arroz dourado", enriquecido
com beta-caroteno, um precursor
da vitamina A. Mas entendo a
questão da soberania. O Brasil deveria procurar companhias como
a Monsanto e declarar: "Quero erradicar a fome. Não nos veja apenas como um mercado. Em vez de
empurrar tecnologias americanas
que podem não ser apropriadas
para o país, trabalhem com nossos cientistas para descobrir as
necessidades distintivas e os desafios específicos do Brasil. Há um
enorme campo a ser explorado
-por exemplo, na produção de
uma safra resistente às secas periódicas do Nordeste. Além disso,
as pestes no Brasil são diferentes
das americanas".
Folha - Ao dizer que os agricultores pobres do Brasil devem ser ajudados com o objetivo de elevar a
produção agrícola e combater a fome, o sr. defende um modelo baseado em pequenas propriedades
ou a reforma agrária no Brasil?
Sachs - Não estudei suficientemente a necessidade de uma reforma agrária no Brasil. O que
posso dizer é que vários países
que buscaram a reforma agrária
acabaram se afundando num debate contencioso sobre o direito à
propriedade e produziram fuga
de capitais e conflito político. O
Brasil deve ter esses precedentes
em mente. No entanto, com ou
sem reforma agrária, os pobres
brasileiros precisam ajuda urgente. Essa ajuda pode vir na forma
de um melhor acesso à educação,
à saúde e aos alimentos.
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