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ARTIGO
A política no banco da frente
MAYLA DI MARTINO
ESPECIAL PARA A FOLHA
No início dos anos 90, o mais
proeminente cientista político latino-americano, Guillermo
O'Donnell, lamentava o fato de
que, na América Latina, a economia tinha passado para o banco
da frente, o do motorista, e a política, para o banco de trás, o do
passageiro. Foi assim durante os
dez anos em que Fernando Henrique Cardoso esteve no comando
da economia brasileira: como ministro da Fazenda, conduzindo a
estabilização, e como presidente,
implantando a agenda de reformas neoliberais. Mas o Consenso
de Washington fracassou como
modelo de desenvolvimento no
Brasil, na Argentina e no Peru.
Resta explicar o porquê.
Em dissertação de mestrado
apresentada em 2000 à London
School of Economics, sugeri que
uma parte da explicação estava na
implantação da reeleição presidencial, medida até então inédita
na América Latina. Afinal, todos
os países onde o Consenso de
Washington deu errado adotaram o mecanismo. A análise da
aprovação da emenda constitucional que permitiu a reeleição no
Brasil, aprovada em 1997, permitiu iluminar as dinâmicas do modelo neoliberal, apontando algumas lições. A principal é a de que
faltou política. A outra revela uma
ironia: FHC não era um verdadeiro neoliberal, mas o mercado
acreditou que sim, e por isso, ele
pôde errar (Lula não poderá).
A lógica de FHC, para defender
a reeleição, era a seguinte: a recondução ao poder de um presidente da confiança dos mercados
daria mais dólares para "bancar a
aposta" do câmbio valorizado até
resolver o problema fiscal. A dissertação procura demonstrar que,
na prática, aconteceu uma inversão de sinais: a busca da reeleição
transformou a aposta em populismo econômico (bancar o real para obter um novo mandato, sacrificando as reformas).
Em entrevista concedida para o
projeto de pesquisa, ainda em 99,
o presidente diz que, desde o início de seu governo, a volatilidade
do cenário externo sempre tornou proibitiva a realização de
uma correção no câmbio. Admite, no entanto, que, entre o fim de
96 e o primeiro semestre de 97,
não havia empecilho e diz que faltou incentivo para mexer no câmbio. Afinal de contas, essa era uma
manobra arriscada: sem ajustes
das contas públicas, a desvalorização poderia trazer de volta a inflação. Mas essa é a prova de que
FHC pecou por populismo econômico. Os populistas econômicos, por definição, só agem quando a crise é inexorável. Por isso,
não foi coincidência que FHC só
tenha corrigido o câmbio depois
da reeleição e em meio a um ataque especulativo. E que só tenha
iniciado o ajuste no segundo
mandato, forçado pelo FMI.
O presidente eleito terá de fazer
o ajuste que o atual não fez: a reforma da Previdência e a reforma
fiscal. Uma lição da era FHC é que
elas só serão possíveis com mais, e
não, como insistiu durante a campanha o candidato derrotado do
governo, com menos negociação
política. As novas reformas só serão feitas se o governo conseguir
granjear o apoio da sociedade, fazendo com que esta pressione o
Congresso. Passar a política para
o banco da frente, conduzindo a
economia, pode causar arrepios
nos que se lembram do populismo latino-americano de meados
do século 20. Mas deve-se lembrar
que colocar a economia no banco
do motorista não impediu o populismo, embora de outro tipo.
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