São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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DIRETAS, 20 ANOS

33 personalidades retornam ao heliporto do prédio da Folha para refazer foto histórica na qual se manifestaram em favor das diretas

Vinte anos de uma herança democrática

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

VIRGILIO ABRANCHES
DA REDAÇÃO

Ao contrário de 20 anos atrás, a manhã era de sol. Não havia nuvens carregadas, como no dia 23 de abril de 1984, quando, anteontem, 33 representantes da sociedade civil retornaram ao heliporto do prédio da Folha para refazer uma imagem histórica: a foto em que 61 artistas, políticos, dirigentes sindicais, esportistas e intelectuais se manifestaram em favor da aprovação da emenda que restabeleceria eleições diretas no país.
Vinte anos depois, não foi possível reunir todos os participantes da foto original. A prefeita Marta Suplicy disse que gostaria de ter comparecido, mas havia um compromisso inadiável. Os ministros Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação Social) tinham reunião com o presidente Lula. O ex-ministro José Serra estava viajando, bem como outros quatro convidados. Onze dos demais participantes já morreram (leia mais nesta página).
Entre os que compareceram, o clima era de descontração, reencontro e avaliação do passado.
"Naquele tempo, tudo era indireto. Hoje, não; hoje o voto é direto", recordava a artista plástica Tomie Ohtake, que, aos 90 anos, era reverenciada por todos como a decana do encontro.
"Éramos todos átomos de um mesmo movimento", afirmou o vice-governador de São Paulo Cláudio Lembo (PFL), então dirigente da governista Arena.
A fotografia foi, segundo o professor da Unicamp Walter Barelli, à época diretor do Dieese, "o coroamento da campanha que a Folha, sozinha, vinha empreendendo em favor das Diretas-Já, com o significado maior de reunir inúmeras posições políticas numa luta que primava pela diversidade".
Mas, para a cientista política Maria Victória Benevides, a foto mostra um "microcosmo imperfeito da sociedade civil", já que ali estariam "sub-representados importantes movimentos sociais e políticos. Mas a campanha foi importante porque tinha um foco além da eleição, que era o de resgatar a República e reforçar a democracia participativa".
"Nós tínhamos uma esperança muito grande de que estávamos participando de um momento histórico no país. Era um momento de fervor popular", relembra Joel Alves de Oliveira, à época presidente do Sindicato dos Marceneiros de São Paulo.
As circunstâncias do encontro foram emocionantes, para a atriz Bruna Lombardi, que posou para a fotografia ao lado do marido, o ator Carlos Alberto Ricelli, e do filho, Kim. "Naquele dia havia uma sensação muito boa, era um grande otimismo, uma grande felicidade, uma emoção muito intensa", contou. "O Brasil continua com muitos problemas, muitas crises, mas, apesar de tudo, melhorou", disse Ricelli.
O fortalecimento das instituições do país após as diretas era um ponto comum nas opiniões dos que atuaram no movimento. Como, por exemplo, Lu Fernandes -à época presidente do Sindicato dos Jornalistas- e o ex-jogador da seleção brasileira de basquete Gilson Trindade de Jesus.
Para o advogado Dalmo de Abreu Dallari, "foi estimulante assistir àquele despertar da consciência cívica num ambiente de medo e descrença. Hoje, falta algo do gênero para que haja, mais uma vez, uma reação cívica, mas agora ao avanço exagerado do materialismo, que ocorre em detrimento dos valores éticos".
Para o professor de economia Paul Singer, secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, aquele foi um tempo de "descompressão social" diante do autoritarismo, que deixou lição: "As ruas são uma forma de pressão muito eficiente".
"Não dá para dizer se o sonho se concretizou. A democracia não vem para resolver o nosso problema. Mas para oferecer condições para trabalhar nesse sentido", disse Paulo Otávio de Azevedo Júnior, então presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo.
Luiz Carlos Bresser Pereira, então presidente do Banespa e depois ministro no governo FHC aponta resultados concretos do processo iniciado naquela época: "A democracia permitiu ou forçou um aumento muito grande no gasto social. A preocupação que existe é a continuidade disso". Já para Adílson Monteiro Alves, então presidente do Corinthians em plena "Democracia Corintiana", o Brasil ainda não é aquele que se sonhava. "Mas, sem dúvida, é bem melhor do que aquele de há 20 anos."



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