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DIRETAS, 20 ANOS
"Sempre fui a favor da eleição direta", diz general
MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO
Durante a votação da emenda
Dante de Oliveira, na Câmara dos
Deputados, um personagem se
destacou fora do palco principal:
o general Newton Cruz, então comandante militar do Planalto.
Da janela do seu gabinete, no
Ministério do Exército, próximo
ao Congresso, ele mandou prender manifestantes que faziam um
buzinaço pró-diretas. Mais de
cem carros foram apreendidos.
Cruz era o responsável pela implementação das medidas de
emergência decretadas dias antes
pelo presidente João Figueiredo.
Indócil, o general desceu à rua
para acompanhar o cumprimento de sua ordem. "Eles não podem
me desmoralizar na frente do
meu quartel. Ainda vai ter que levar muito tempo para alguém
conseguir fazer isso", disse, segundo reportagem publicada pela
Folha no dia seguinte à votação.
Minutos depois, os manifestantes detidos eram liberados a pedido do próprio general. Segundo a
historiadora Maria Celina D'Araújo, da Fundação Getúlio Vargas, Cruz chegou a chicotear os
carros do buzinaço.
Dois dias antes da votação, Cruz
já havia chamado a atenção, ao
desfilar num cavalo branco
-presente de Figueiredo-, dando início às medidas de emergência na capital.
Hoje, aos 79 anos, o reformado
general afirma que nunca desfilou
em cavalo branco, mandou prender manifestantes ou bateu com
chicote em automóvel. Afirma
ainda que, pessoalmente, era a favor da emenda, derrotada no plenário da Câmara. "Agora apareço
como o carrasco das diretas", diz.
Abaixo, a entrevista concedida à
Folha por telefone:
Folha -O sr. chicoteou automóveis no dia da votação da emenda?
Newton Cruz - Isso é a maior farsa que já existiu. No dia da votação, eu estava inteiramente despreocupado no meu gabinete. Tudo o que eu já tinha que dizer eu já
disse, mas não adianta, porque até
hoje dizem que eu dava chicotada
em automóvel. Eu desafio alguém
que possa dizer que aquilo [a derrota da emenda] teve alguma influência externa. Não houve influência nenhuma, nem a favor,
nem contra. Entrou [no Congresso] para votar quem quis votar.
Votou como bem entendeu e isso
eu garanti por medidas que havia
tomado anteriormente.
Folha - A Folha publicou no dia
seguinte à votação que o sr. mandou prender manifestantes.
Cruz - Não há nada disso. Isso
não é verdade. No dia da votação,
tudo ocorreu normalmente. O
meu expediente foi normal.
Folha - O sr. também ficou conhecido pelo desfile que fez em um cavalo dois dias antes da votação...
Cruz - Isso não aconteceu. Só me
apresentei publicamente a cavalo
em duas oportunidades, comandando as paradas de 7 de Setembro de 1983 e 1984. Fico abismado.
Mas o que adianta eu falar? Acho
que o papel mais importante da
imprensa é se fazer instrumento
da história. Fico triste quando a
imprensa reiteradamente, no que
diz respeito a mim, divulga fatos
que não são verdadeiros.
Folha - Em nenhum momento o
sr. mandou prender pessoas?
Cruz - Meu Deus do céu... Pois
bem, acabaram as medidas de
emergência, houve algum preso?
Ninguém ficou preso. Não houve
um tiro disparado. Vou para os 80
anos de idade e querem me colocar na história com essa cara.
Qual é a imprensa que um dia vai
contar a verdade? Não adianta...
Você está gravando o que eu estou dizendo?
Folha - Sim, estou.
Cruz - Então, você está autorizado a publicar. Apenas desejaria
que você dissesse antes: "General,
eu estou gravando a nossa conversa". E eu diria a mesma coisa
que estou dizendo agora.
Folha - Tudo bem, general, obrigado...
Cruz -Você queria ouvir isso?
Folha - Sinceramente, não.
Cruz -O que é isso? Eu me admiro que a Folha, que se apresenta
como o jornal das diretas, ainda
tenha idéias dessa natureza. Acho
que o que a Folha quer cumprir é
um papel para a história, para dignificar o jornalismo. Agora, impossível que se publique coisa que
não existiu, tudo em detrimento
da minha honra. Será que eu vou
morrer com essa pecha? E meus
filhos e netos vão viver isso? Vou
dizer mais uma coisa: como cidadão, eu queria que fosse aprovada
a emenda, porque sempre fui a favor da eleição direta. Votar era
um anseio da população e eu era a
favor. Agora apareço como o carrasco das diretas.
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