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São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

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CONTRA OS RADICAIS

Demais, de menos e na conta

FÁBIO WANDERLEY REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O governo FHC pode ser criticado por seu realismo excessivo. Eleito em circunstâncias singularmente favoráveis, Fernando Henrique abriu mão do necessário investimento intelectual e acomodou-se de maneira preguiçosa e autocomplacente aos imperativos reais e aparentes da cena mundial.
O governo petista de Lula começou rodeado de dificuldades várias. Além do que há de real nos constrangimentos do quadro econômico-financeiro mundial e da herança "fernandista" de inserção vulnerável nele, há a própria origem revolucionária do partido e as expectativas que suscitava.
Na perspectiva dessa dificuldade, é bom lembrar que o Lula do discurso de 1987 não ganhou a eleição presidencial, e se ganhasse provavelmente não governaria muito tempo.
E cabe festejar o aprendizado que desemboca na moderação e no realismo da última campanha eleitoral e do começo do governo atual, capazes de neutralizar as ameaças mais imediatas e dramáticas que cercavam o acesso de Lula à Presidência.
Reconhecida a necessidade do realismo, fica, para a avaliação da atuação dos chamados "radicais" do PT, a questão dos limites do realismo e de como combiná-lo com a fidelidade a princípios e idéias que ajudou a singularizar o partido até aqui. Obviamente, não se trata, para o governo, de quatro ou cinco meses de encenação para enganar investidores e depois "fazer a revolução" (da mesma forma que não parece haver razão para tomar coisas como a oposição à contribuição de inativos como dogma de fé esquerdista). Os constrangimentos reais de vários tipos que o governo Lula defronta, incluídos os relativos à democracia como valor verdadeiro, exigem redefinição mais profunda das idéias e compromissos antes impensáveis.
Mas há, sim, a necessidade de que se possa contar com melhor equilíbrio do que temos tido sempre entre princípios e realismo, ideologia e pragmatismo. E, se os "radicais" do partido podem ter papel positivo a cumprir aqui (desde que não se transformem em quinta-coluna, caso em que não haverá alternativa senão excluí-los), o governo precisa estar atento à possibilidade de que o realismo degenere em acomodação preguiçosa ao estilo de Fernando Henrique Cardoso. Como, aliás, adverte ponderado documento da Fundação Perseu Abramo ("Os caminhos da transição"), um encorajador indício do empenho de reflexão interna.


FÁBIO WANDERLEY REIS, cientista político, é professor emérito da UFMG e autor de "Mercado e Utopia" (Edusp).


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