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São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

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A FAVOR DOS RADICAIS

Herdeiros do autoritarismo

MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O corre um interessante debate na opinião pública: com a ruptura dos padrões disciplinares pelos chamados "radicais" do PT, os rumos programáticos do governo exibem seu prodigioso equívoco. Eleitos para mudar os padrões sociais e políticos, e não menos a economia, os novos administradores efetivam o oposto ao pretendido em 20 anos de prática oposicionista. As alianças com notórios oligarcas, as imposições de superávits primários radicalíssimos, exaurindo recursos do bem público, as reformas na Previdência e na tributação que negam teses anteriores de seus líderes e militantes, o capital financeiro segundo as receitas do FMI, a taxa de juros que põe indústria, comércio e trabalhadores em ritmo de falência programada, servindo à dominação "global", o desrespeito à área social (cortes na saúde, na educação, na segurança) compõem uma ladainha reiterativa da inaudita quebra (mesmo considerando a fragílima fé pública brasileira) da palavra empenhada.
O presidente da República se esquiva da imprensa, evitando perguntas sobre toda essa falsidade: a tática é aparecer na TV, em cena programada por Duda Mendonça, fiando-se na simples propaganda. Todas as tentativas neste sentido, no Brasil e no exterior, terminaram em desconfiança dos que pensam hipnotizar os contribuintes com subterfúgios e carismas. Boa parte dos neopolíticos no poder cai no engodo que pensam aplicar: dizem palavras mágicas, imaginando que o enunciado existe sobre o vazio. Assim, "tudo está mudando para melhor..." porque "tudo está mudando para melhor", revogadas as disposições em contrário.
O autoritarismo da máquina petista é claro. Dentre as suas correntes internas, uma das mais impositivas acolhe os que saíram de hostes trotskistas, com o bem conhecido "centralismo democrático". Dentro desses parâmetros formou-se, por exemplo, o ministro Antonio Palocci, sendo clara sua afinidade com os herdeiros, arrependidos ou não, do velho controle stalinista. Uma vez padre, sempre padre, até no inferno. Acostumados à forma autocrática assimilada na antiga esquerda, pouco importa que os novos conteúdos que propugnam dêem as costas aos abolidos ideais socialistas e abracem os liberais ou neoliberais.
Quando existe uma decisão majoritária, as minorias obedecem a "linha", sem desvios. Trata-se de uma prática mecânica da política: os autômatos da "base" devem obediência ao comando em nome da maioria. E nada mais. Tal modelo determina a sua face executiva do governo em suas relações com o Congresso. Os "radicais" não foram educados de modo politicamente diverso, que os tornasse capazes de romper a lógica do poder exercido no PT pelos círculos majoritários. Neste episódio de um drama mais amplo, não é descartável a hipótese de um "acordo" interno, para manter os antigos moldes, salvando a unidade partidária e o comando vertical. A esperança de ganhar a máquina do partido e de impor a sua política grupal é comum a todos os que seguem o centralismo. É de uma outra concepção democrática que o país precisa, mas esta se distancia cada vez mais do nosso horizonte político. O descrédito toma conta do povo, sofrido de muitos modos (inclusive de uma fome que aumenta em vez de zerar) e, sobretudo, lesado por sentir-se traído por aqueles em quem depositou enorme confiança.


MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO é professora titular do Departamento de Filosofia da Unicamp e do Departamento de Filosofia da USP. É autora de "Homens Livres na Ordem Escravocrata" (Unesp), entre outras publicações.


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