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A FAVOR DOS RADICAIS
Herdeiros do autoritarismo
MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O corre um interessante debate na opinião pública: com
a ruptura dos padrões disciplinares pelos chamados "radicais" do
PT, os rumos programáticos do
governo exibem seu prodigioso
equívoco. Eleitos para mudar os
padrões sociais e políticos, e não
menos a economia, os novos administradores efetivam o oposto
ao pretendido em 20 anos de prática oposicionista. As alianças com
notórios oligarcas, as imposições
de superávits primários radicalíssimos, exaurindo recursos do bem
público, as reformas na Previdência e na tributação que negam teses anteriores de seus líderes e militantes, o capital financeiro segundo as receitas do FMI, a taxa de
juros que põe indústria, comércio
e trabalhadores em ritmo de falência programada, servindo à dominação "global", o desrespeito à
área social (cortes na saúde, na
educação, na segurança) compõem uma ladainha reiterativa da
inaudita quebra (mesmo considerando a fragílima fé pública brasileira) da palavra empenhada.
O presidente da República se esquiva da imprensa, evitando perguntas sobre toda essa falsidade: a
tática é aparecer na TV, em cena
programada por Duda Mendonça, fiando-se na simples propaganda. Todas as tentativas neste
sentido, no Brasil e no exterior,
terminaram em desconfiança dos
que pensam hipnotizar os contribuintes com subterfúgios e carismas. Boa parte dos neopolíticos
no poder cai no engodo que pensam aplicar: dizem palavras mágicas, imaginando que o enunciado
existe sobre o vazio. Assim, "tudo
está mudando para melhor..."
porque "tudo está mudando para
melhor", revogadas as disposições
em contrário.
O autoritarismo da máquina petista é claro. Dentre as suas correntes internas, uma das mais impositivas acolhe os que saíram de hostes trotskistas, com o bem conhecido "centralismo democrático".
Dentro desses parâmetros formou-se, por exemplo, o ministro
Antonio Palocci, sendo clara sua
afinidade com os herdeiros, arrependidos ou não, do velho controle stalinista. Uma vez padre, sempre padre, até no inferno. Acostumados à forma autocrática assimilada na antiga esquerda, pouco
importa que os novos conteúdos
que propugnam dêem as costas
aos abolidos ideais socialistas e
abracem os liberais ou neoliberais.
Quando existe uma decisão majoritária, as minorias obedecem a
"linha", sem desvios. Trata-se de
uma prática mecânica da política:
os autômatos da "base" devem
obediência ao comando em nome
da maioria. E nada mais. Tal modelo determina a sua face executiva do governo em suas relações
com o Congresso. Os "radicais"
não foram educados de modo politicamente diverso, que os tornasse capazes de romper a lógica do
poder exercido no PT pelos círculos majoritários. Neste episódio de
um drama mais amplo, não é descartável a hipótese de um "acordo" interno, para manter os antigos moldes, salvando a unidade
partidária e o comando vertical. A
esperança de ganhar a máquina
do partido e de impor a sua política grupal é comum a todos os que
seguem o centralismo. É de uma
outra concepção democrática que
o país precisa, mas esta se distancia cada vez mais do nosso horizonte político. O descrédito toma
conta do povo, sofrido de muitos
modos (inclusive de uma fome
que aumenta em vez de zerar) e,
sobretudo, lesado por sentir-se
traído por aqueles em quem depositou enorme confiança.
MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO é
professora titular do Departamento de
Filosofia da Unicamp e do Departamento
de Filosofia da USP. É autora de "Homens
Livres na Ordem Escravocrata" (Unesp),
entre outras publicações.
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