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São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

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ELIO GASPARI

Uma novidade perigosa: o jogo da tensão política

Lula e a caciquia petista estão injetando tensão na vida política brasileira. Pena. Nos últimos 20 anos o Brasil teve dois presidentes (José Sarney e FFHH) com a virtude de dissipar tensões. As crises entravam no palácio e saiam menores. Sarney teve o ônibus apedrejado no Rio e Fernando Henrique foi vaiado por servidores até ao som do Hino Nacional. Para ambos, a vida seguiu normal.
Enquanto esteve na oposição, Lula valeu-se de coragem, insultos e tensão para assegurar seu espaço político. De Fernando Henrique, disse assim: "Devia ter vergonha de deixar o povo nordestino nessa situação de fome". Quando Sarney era presidente, Lula não deixava por menos: "Antigamente se dizia que o Adhemar era ladrão, que o Maluf era ladrão. Pois bem: Adhemar de Barros e Maluf poderiam ser ladrão [sic], mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República, perto dos assaltos que se faz".
O oposicionista agressivo tornou-se presidente e ainda não se recalibrou. Há dois tipos de governantes. Uns atraem crises, fabricam adversários e tornam tensa a vida da patuléia. Isso não os faz bons nem maus. São simplesmente crispados: Fidel Castro, Margaret Thatcher, George Bush II, Jânio Quadros ou Itamar Franco. Há os que esvaziam crises, seduzem adversários e suavizam a vida da choldra : Getúlio Vargas, JK, George Bush I, Bill Clinton e Tancredo Neves.
Na quarta-feira, em Balsas, dividindo um palanque com a governadora Roseana Sarney, Lula crispou-se: "A fome causada pela seca é por falta de vergonha dos governantes deste país". Noves fora a grosseria com a governadora, filha do ex-presidente, seu aliado, trata-se de uma ladainha ôca. FFHH disse coisa parecida em Alagoas.
Enquanto Lula honrava o palanque de Balsas, seus comissários de Brasília investiam contra o deputado João Fontes (PT-SE) por ter divulgado o vídeo do comício de 1987, no qual o atual presidente insultava Sarney. Puniram também a deputada Luciana Genro (PT-RS), que o apoiou. Os deputados foram desligados da bancada e Fontes viu-se submetido a um patrulhamento medieval.
A distribuição de um vídeo de cena pública tornou-se oportunidade para um exercício de força e exemplo dos métodos da persuasão do petismo federal. Vale ouvi-los. São as únicas explicações oferecidas para o afastamento de dois deputados de uma bancada:
"O fato foi considerado muito ofensivo ao presidente da República" (Nelson Pellegrino, líder do PT);
"Foi uma provocação inaceitável. É inaceitável atacar dessa forma a pessoa do presidente da República" (José Genoino presidente do PT);
"Eles partiram para denegrir a imagem do presidente da República. Ofenderam a pessoa do presidente" (Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, depois de conversar com Lula.).
Só num país de loucos pode-se admitir que uma pessoa (Lula) seja ferida pela exibição da cena em que chama um presidente (Sarney) de ladrão. O ofendido foi Sarney e Lula aparece como vítima da baixaria que cometeu. Não há registro público de pedido de desculpas de Lula ao então presidente. Também não há registro de que Sarney tenha considerado o ataque uma "provocação inaceitável".
Lula sabia que estava sendo filmado. Tinha gosto em dizer o que dizia e disso tirava proveito político. Como candidato, foi beneficiado pela bonomia de Sarney e de FFHH. Como presidente, vê suas patrulhas apertando mais uma volta da rosca daquilo que entendem ser a disciplina partidária. Ninguém é obrigado a ser petista, portanto a maneira como Lula, Genoino, Pellegrino e Greenhalgh tratam sua militância é problema deles.
Apesar disso, quem não é petista deveria ser poupado de ouvir bobagens autoritárias.

Abundância

Talvez interesse a qualquer das partes envolvidas na discussão em torno do futuro museu Guggenheim do Rio, a seguinte informação:
No circuito Rio-Niterói-Petrópolis há 108 museus.
Roma tem 104 museus.
Paris lista 128.
Washington e Nova York, juntas não têm 100 museus.
É da crônica do Museu Nacional de Belas Artes a história do acadêmico-romancista que, nos anos 70, não aceitou dirigi-lo porque não lhe davam carro oficial.

Boa promessa

O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social já se reuniu três vezes. Não produziu uma só ata que honrasse esse nome. As que produziu estão escondidas num sítio exclusivo, na internet. Somadas, têm 7.000 palavras. Mil são nomes dos participantes.
Na próxima quarta-feira o sítio exclusivo será aberto para a choldra. O secretário Tarso Genro garante que providenciará atas de boa qualidade. Editará também os anais com as transcrições dos debates.
Todas as reuniões dos grupos temáticos são ostensivamente gravadas. As reuniões plenas do Conselho são gravadas e filmadas. Todo mundo ganha se os seus debates, na íntegra, chegarem logo ao conhecimento do público.
O CDES não é um órgão do governo. Mesmo assim é bom lembrar que tanto o Conselho de Estado do Imperador quanto o Conselho de Segurança Nacional dos generais tinham atas. Serviam para registro histórico, mas retratavam com alguma fidelidade o que acontecia nas reuniões.

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror à música. Ela tenta proteger o idioma do pernosticismo sem significado. Madame concedeu uma de suas bolsas de estudo à PUC de Campinas onde se organiza o seminário "Projeto Pedagógico para quem?". Na sua ficha de inscrição ele anuncia uma oficina de trabalho sobre "Experiências integradoras na dinâmica curricular". Tratará do seguinte:
"Reflexão e análise do ponto de vista da horizontalidade, portanto, dos relacionamentos e interfaces entre os conteúdos dos componentes curriculares do mesmo semestre e no sentido da verticalidade, ou seja, da sequência e coerência dos mesmos entre os semestres, levando em conta os objetivos do curso e tendo o trabalho coletivo como pressuposto indispensável".
Natasha entendeu que os currículos de um semestre devem ter algo a ver entre si e com os do semestre seguinte.

Em agosto, Bacon volta ao Brasil

Uma boa notícia, para agosto. Mesmo que o "governo" Henrique Meirelles não baixe os juros, vem aí uma bela exposição de arte contemporânea inglesa, com mais de cem peças da Tate Gallery de Londres. Será a maior exposição de arte estrangeira montada no Brasil nos últimos 20 anos, fora das bienais. Ocupará o prédio da Oca, no espaço da Bienal, em São Paulo. Virão obras de Richard Long, uma tela de Lucien Freud e, acima de tudo, quatro pinturas de Francis Bacon. Uma será a segunda versão do seu genial Triptico. O primeiro, pintado em 1944, esteve na Bienal de 1959. (Coisas do tempo de JK: Bacon veio à Bienal antes de entrar na Tate.)
O bicho de Bacon foi o inspirador do Alien que sai do peito do astronauta no primeiro filme da série. Bacon morreu em 1992, aos 82 anos. Foi um dos melhores pintores do século 20 e um dos maiores marginais de todos os tempos. Bêbado (numa ressaca viu os russos tomando Londres) e homossexual (usava rouge e calcinha), morreu num hospital de freiras.
A exposição da Tate é mais uma das bruxarias de Emílio Kalil e da Brasil Connects, do banqueiro Edemar Cid Ferreira. Em junho eles fecham o êxito da exposição de tesouros chineses, entre os quais onze guerreiros de Xi'an. Deverão ter contado perto de 900 mil visitantes. Desde 2000, quando organizaram a mostra dos 500 anos, levaram mais de 3 milhões de pessoas ao Ibirapuera.
A exposição chinesa teve apoio logístico do Itamaraty. Fora isso, tanto ela como a da Tate não tocaram a bolsa da Viúva.

A privataria começou a sair da sombra

É ilusão do tucanato paulista acreditar que a maracutaia armada na véspera do leilão da Eletropaulo acabará caindo em exercício findo.
O repórter Demetri Sevastopulo, do "Financial Times", contou na semana passada uma das melhores histórias da privataria nacional. Uma das empresas vencedoras, a AES, negociou linda mutreta. Sua rival, a Enron, sairia da disputa e seria compensada mais tarde vendendo à Eletropaulo a energia de uma termelétrica que construiria no Brasil. A Enron ganharia uns US$ 400 milhões. A fraude foi combinada e sacramentada. A Enron não foi ao leilão e o consórcio do qual a AES fazia parte (liderado pela Light) levou a Eletropaulo pelo preço mínimo (US$ 1,78 bilhão), economizando algo como US$ 500 milhões.
Apesar disso, o acerto parece ter se desmanchado. É certo que a Enron não vendeu energia para a Eletropaulo, pois sua termelétrica não foi construída.
Há lotes de documentos desse caso voando por aí. Um deles, por exemplo, mostra que no dia 17 de abril de 1998 a Light achou que o negócio era ilegal. Tudo bem, mas o leilão foi no dia 15. De uma maneira geral, a grita dos advogados contra a maracutaia é posterior ao leilão. O conluio foi anterior.
O secretário de Energia de São Paulo, Mauro Arce, informou que o governo não se sente lesado pela tenebrosa transação. Não faz mal, felizmente o governo americano sente-se lesado quando empresários se acertam para empulhar viúvas ou contribuintes.

Entrevista

Hélio Bicudo

(80 anos, vice-prefeito de São Paulo, procurador encarregado de investigar as atividades do Esquadrão da Morte em São Paulo entre 1969 e 1970.)

- A que o senhor atribui o fato de o governador Geraldo Alckmin manter o delegado Laertes Calandra, acusado de ter torturado presos políticos, na Divisão de Inteligência da Polícia Civil?
- Ele parece estar interessado em prestigiar o seu secretário de Segurança, Saulo de Castro. O secretário inaugurou sua gestão com atos de arbitrariedade e as estatísticas mostram que sua presença no cargo coincide com um aumento da violência policial. Não nos esqueçamos da comemoração ocorrida depois do episódio de Castelinho, em março do ano passado, quando uma operação montada pela polícia resultou na morte de 12 pessoas. A administração cacifa-se politicamente estimulando a violência e engordando a conta das execuções. É uma política que não produz resultados e corrompe a polícia. O Esquadrão da Morte do delegado Sérgio Fleury era popular na Secretaria de Segurança, no Palácio dos Bandeirantes e no do Planalto. Era popular até nas pesquisas de opinião. Se a segurança pública brasileira deteriorou-se, isso se deveu em parte ao estímulo dos poderes a policiais como Fleury ou, no dias de hoje, o delegado Laertes Calandra.
- O governador diz que Calandra está amparado pela anistia.
- Não está. A manutenção de Calandra na Divisão de Inteligência, numa posição que lhe permite administrar escutas telefônicas, vai na contramão do processo político e do espírito da anistia. Quando o governador Alckmin e o secretário Saulo de Castro mantêm Calandra nessa posição, fazem uma escolha. Agradam aos torturadores de todos os regimes e a muitos policiais que vêem nas execuções um substitutivo para a investigação. Eles fazem uma escolha. Assim como o governo federal, quando faz de conta que o caso está encerrado, mostra que precisa dos votos dos tucanos paulistas na votação das reformas. Eu lastimo, mas no caso de Calandra gritou-se muito pouco. Tanto no Congresso como na imprensa e até na rua.
- O que o senhor acha que Mário Covas faria no caso de Calandra?
- Teria mandado o delegado plantar couve. Se a lei não lhe permitisse colocá-lo numa horta, talvez Calandra estivesse tomando conta de uma garagem.

Pista limpa

O economista João Sayad acertou a sua saída da Secretaria de Finanças da Prefeitura de São Paulo em abril. Apesar disso, soube o nome de seu substituto pelos jornais.
O novo secretário é Luís Carlos Fernandes Afonso, oriundo do aparelho petista. Ele teve experiência arrecadadora como secretário de Finanças das prefeituras de Santo André e Campinas.


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