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São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

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NO PLANALTO

A gente sente, o Fome Zero está diferente

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Por ora, o Fome Zero levou mais confusão a gabinetes de Brasília do que feijão a esôfagos mal servidos. Para complicar, enquanto espera por emprego, renda e comida -não necessariamente nessa ordem-, parte da clientela mastiga um flagelo velho como a fome: a exploração política da fome.
Deu-se mais cedo do que o esperado. O PT de Santa Catarina largou na frente. Na próspera Blumenau, o prefeito petista Décio Lima entregou ao secretário de Saúde Edison Adriano, igualmente petista, a coordenação do Fome Zero. Adriano é candidato à sucessão de Lima em 2004.
No momento, Adriano organiza o Conselho Municipal de Segurança Alimentar. Ocupa-se também da abertura de um fundo para acolher donativos em dinheiro. De resto, festeja o primeiro lote de doações de alimentos. Coisa mixuruca: 120 kg.
"Serei candidato a prefeito", admite Adriano. Dá de ombros, porém, para as insinuações malévolas que ganham as ruas de Blumenau. "Estarei submetido à fiscalização do conselho e ao julgamento popular", diz.
Também na capital Florianópolis o caldeirão catarinense do Fome Zero ganhou um incômodo tempero político. Ali funciona uma ONG chamada Rede 13. No ano passado, coordenou a campanha presidencial de Lula em Santa Catarina. Agora, dedica-se a angariar alimentos.
Em dois meses, amealhou 15 toneladas de gêneros. Fará uma campanha publicitária para atrair também donativos pecuniários. Conta com a graciosidade de agências de publicidade, emissoras de rádio e estações de tevê.
"Somos um grupo de pessoas muito ligadas ao Lula. Passada a campanha, nosso objetivo é articular o Fome Zero em Santa Catarina", conta o petista Lamir Vaz de Lima, que é presidente da Rede 13.
O algarismo 13 identifica o PT nas cédulas eleitorais. A ONG funciona no segundo andar da sede do partido em Florianópolis. O endereço na internet (www.rede13.sc.com.br) é o mesmo de onde partiram pedidos de voto para Lula em 2002. Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha do presidente da República, toca o dia-a-dia da entidade. O PT banca-lhe o contracheque.
A despeito das aparências, o presidente da Rede 13 reage com surpresa quando confrontado com a idéia de apropriação política de estômagos vazios. "Você é o primeiro que me faz esse tipo de pergunta", disse Vaz de Lima.
A política envenena o Fome Zero também em Sergipe. Ofício de Brasília pediu ao governador João Alves, do neo-oposicionista PFL, para apontar alguém que se responsabilizasse pelo programa no Estado. Indicou a própria mulher, a senadora licenciada Maria do Carmo Alves.
Ela responde pela secretaria estadual de Combate à Pobreza. Comanda uma espécie de Fome Zero sergipano. Chama-se "Tá na Mesa". Reclama de falta de sintonia. "Do programa de Brasília, fico sabendo pelos jornais. Para mim, parceria é outra coisa." Com duas mesas metafóricas postas diante de si, o pobre sergipano serve-se, por ora, de controvérsia política.
A politização do Fome Zero desafia a eficácia do cardápio de regras baixadas por Brasília. "O máximo que podemos fazer é recomendar procedimentos", diz o ministro José Graziano. "É preciso lembrar que Estados e municípios têm autonomia de ação." À União não resta senão o poder de recusar nomes que julgue impróprios para os comitês gestores.
Quando submetido à fome, o estômago limita a contagem de tempo ao intervalo que separa uma refeição da outra. Calendário eleitoral é coisa que não entende. Seu projeto de vida é arranjar comida. Sem ela, morre antes do voto.


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