|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NO PLANALTO
A gente sente, o Fome Zero está diferente
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Por ora, o Fome Zero levou
mais confusão a gabinetes de
Brasília do que feijão a esôfagos
mal servidos. Para complicar, enquanto espera por emprego, renda e comida -não necessariamente nessa ordem-, parte da
clientela mastiga um flagelo velho como a fome: a exploração
política da fome.
Deu-se mais cedo do que o esperado. O PT de Santa Catarina
largou na frente. Na próspera
Blumenau, o prefeito petista Décio Lima entregou ao secretário
de Saúde Edison Adriano, igualmente petista, a coordenação do
Fome Zero. Adriano é candidato
à sucessão de Lima em 2004.
No momento, Adriano organiza o Conselho Municipal de Segurança Alimentar. Ocupa-se
também da abertura de um fundo para acolher donativos em dinheiro. De resto, festeja o primeiro lote de doações de alimentos.
Coisa mixuruca: 120 kg.
"Serei candidato a prefeito",
admite Adriano. Dá de ombros,
porém, para as insinuações malévolas que ganham as ruas de Blumenau. "Estarei submetido à fiscalização do conselho e ao julgamento popular", diz.
Também na capital Florianópolis o caldeirão catarinense do
Fome Zero ganhou um incômodo
tempero político. Ali funciona
uma ONG chamada Rede 13. No
ano passado, coordenou a campanha presidencial de Lula em
Santa Catarina. Agora, dedica-se
a angariar alimentos.
Em dois meses, amealhou 15 toneladas de gêneros. Fará uma
campanha publicitária para
atrair também donativos pecuniários. Conta com a graciosidade de agências de publicidade,
emissoras de rádio e estações de
tevê.
"Somos um grupo de pessoas
muito ligadas ao Lula. Passada a
campanha, nosso objetivo é articular o Fome Zero em Santa Catarina", conta o petista Lamir
Vaz de Lima, que é presidente da
Rede 13.
O algarismo 13 identifica o PT
nas cédulas eleitorais. A ONG
funciona no segundo andar da
sede do partido em Florianópolis.
O endereço na internet (www.rede13.sc.com.br) é o mesmo de onde partiram pedidos de voto para
Lula em 2002. Lurian Cordeiro
Lula da Silva, filha do presidente
da República, toca o dia-a-dia da
entidade. O PT banca-lhe o contracheque.
A despeito das aparências, o
presidente da Rede 13 reage com
surpresa quando confrontado
com a idéia de apropriação política de estômagos vazios. "Você é
o primeiro que me faz esse tipo de
pergunta", disse Vaz de Lima.
A política envenena o Fome Zero também em Sergipe. Ofício de
Brasília pediu ao governador
João Alves, do neo-oposicionista
PFL, para apontar alguém que se
responsabilizasse pelo programa
no Estado. Indicou a própria mulher, a senadora licenciada Maria do Carmo Alves.
Ela responde pela secretaria estadual de Combate à Pobreza.
Comanda uma espécie de Fome
Zero sergipano. Chama-se "Tá
na Mesa". Reclama de falta de
sintonia. "Do programa de Brasília, fico sabendo pelos jornais. Para mim, parceria é outra coisa."
Com duas mesas metafóricas
postas diante de si, o pobre sergipano serve-se, por ora, de controvérsia política.
A politização do Fome Zero desafia a eficácia do cardápio de regras baixadas por Brasília. "O
máximo que podemos fazer é recomendar procedimentos", diz o
ministro José Graziano. "É preciso lembrar que Estados e municípios têm autonomia de ação." À
União não resta senão o poder de
recusar nomes que julgue impróprios para os comitês gestores.
Quando submetido à fome, o
estômago limita a contagem de
tempo ao intervalo que separa
uma refeição da outra. Calendário eleitoral é coisa que não entende. Seu projeto de vida é arranjar comida. Sem ela, morre
antes do voto.
Texto Anterior: Elio Gaspari: Uma novidade perigosa: o jogo da tensão política Próximo Texto: Aula tucana: Há descompasso entre economia e política, diz FHC Índice
|