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ONDAS AGRÁRIAS
Programas da Camponesa Rádio Poste são gravados em CD e tocados em aparelhos de som nos acampamentos
MST improvisa rádio para "educar" sem-terra
AFRA BALAZINA
FREE-LANCE PARA A FOLHA RIBEIRÃO
Ribeirão Preto, fazenda da Barra, 16h: um grupo de cerca de 30
trabalhadores rurais sem terra se
reúne em torno de alto-falantes
para ouvir, entre uma música e
outra, por cerca de 80 minutos,
elogios à invasão de terras e críticas à concentração fundiária do
Brasil, ao agronegócio, aos agrotóxicos e aos transgênicos.
De cerca de dez alto-falantes
instalados na área, ocupada desde
terça-feira, vem a abertura: "Está
entrando no ar a Camponesa Rádio Poste, a voz forte contra o latifúndio. Malditas sejam todas as
cercas, malditas sejam todas as
propriedades privadas que nos
privam de viver e amar. Malditas
sejam todas as leis amanhadas
por poucas mãos para amparar
cercas e bois, para fazer a terra escrava e escravos os humanos".
A transmissão em forma de
programa de rádio é, na verdade,
um programa produzido pelo
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em Ribeirão Preto para ser distribuído a
acampamentos e assentamentos
de diversos Estados.
Os programas são gravados em
CDs -até agora foram cinco-
em um estúdio que fica no centro
de formação do MST, no sítio Pau
D'Alho, da Igreja Católica.
"Como é complicado promover
palestras nesses locais, o programa serve para levar formação e
informação aos sem-terra. Além
disso, eleva a auto-estima deles",
afirma o idealizador do programa, Hemes Lopes, 40.
Os militantes concordam. "A
gente acorda às 6h com ânimo
quando começa a passar o programa. Eu acho muito chique a
gente ter a nossa própria rádio",
diz Selma Aparecida da Silva Reis,
34, há 11 meses em Ribeirão.
As mensagens fazem, entre outras coisas, apologia à invasão de
terras, que "representa uma das
mais importantes lutas contra a
estrutura fundiária existente no
país". Para o MST, "ocupar é tomar posse daquilo que não cumpre a sua função social".
As notícias abordam a reforma
agrária no país, a trajetória de 20
anos do MST e as atividades do
grupo, além de ter uma função didática ao explicar, por exemplo,
qual é a diferença entre ocupação
e invasão -para a rádio, o MST
apenas "ocupa" áreas griladas,
devolutas ou latifúndios.
Tudo no programa é diferente
de uma rádio comercial. Não há
propaganda. Além disso, apesar
de ter um formato estruturado,
incluindo vinhetas, as músicas
têm letras de cunho político ou falam das pessoas do campo que
migraram para a cidade. "A música caipira fala de ecologia, da roça,
do sonho de ter uma terra, e o
acampado se identifica muito
com essa realidade", diz Lopes.
Além do locutor falar "no ar" o
nome da música e do cantor, ele
cita quem é o compositor. "Aqui
damos todos os créditos", disse
Lopes. E não entram músicas com
palavrões ou duplo sentido nem
de neosertanejos como Zezé Di
Camargo & Luciano.
Como as outras regionais do
MST não têm estúdio de rádio, a
idéia é que sejam produzidos boletins informativos em cada Estado para serem acrescentados ao
programa feito em Ribeirão, que
deve ser mandado via Correios
para outras regiões.
Como os programas são gravados em CDs, podem ser ouvidos
em aparelhos de som. Os CDs já
foram para assentamentos de
Santa Catarina e para a França,
onde integrarão programa sobre
movimentos sociais do Brasil.
Na rádio, trabalham duas pessoas fixas e dois apresentadores,
que mudam a cada programa
-todos são assentados ou acampados ligados ao MST. Além disso, há mensagens gravadas de
convidados ou pessoas que visitam o Centro de Formação.
A intenção do MST é montar
uma emissora de rádio que funcione em tempo integral.
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