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JANIO DE FREITAS
A tarefa da força
As últimas semanas exibiram uma escalada da violência urbana, mas não só em números, que talvez já nem interessem
tanto, a partir da dimensão alcançada. Escalada em agressividade e requintes perversos. Diante disso, surgiu no Rio a proposta
de ação combinada das polícias
Civil, Militar e Federal, sob a forma de força-tarefa, e o ministro
da Justiça, Miguel Reale Jr., além
de adotá-la, o que já seria um
passo, deseja-a estendida a São
Paulo, Minas e Mato Grosso do
Sul.
Em São Paulo, a tortura feita
por sequestradores a uma de suas
vítimas acrescenta um elemento
novo na aterrorizante banalização de sequestros. No Rio e adjacências, assaltantes de rua e ladrões de carros, como se combinados, passaram a atirar para
matar, sumariamente, se houver
real ou imaginada dificuldade.
Pode-se deduzir, do caso paulista
como do fluminense, a mesma
mensagem de horror: decida-se
com rapidez pelo resgate, que a
vítima está sofrendo; entregue objetos ou carro com rapidez, ou é a
morte.
Primeiro em São Paulo e agora
no Rio, bandidos passaram da
atitude de fuga e vida em cautela
ao ataque frontal a dependências
da polícia e do Estado. Prisões em
pequenos roubos e em sequestros
ferozes, feitos no Rio por marginais de São Paulo, constata-se
que a bandidagem antecipou-se,
mais uma vez, à chamada autoridade: passou à ação interestadual, sempre motivo de disputa e
não de interação das polícias estaduais (ainda agora, o chefe de
polícia do Rio, portador da proposta de ação conjunta, não foi
recebido pela mal denominada
autoridade competente de São
Paulo).
Já que as causas desse quadro
não serão atacadas, antes agravando-se dia a dia, a pretexto de
índices financeiros governamentais que se frustram ano a ano,
certas obviedades do crime precisam entrar na linha das atenções
policiais. Nesse sentido, a maior
relevância talvez seja a instrumentação da bandidagem, que
mais parece gozar de proteção
que de combate. Os bandidos das
favelas fluminenses, os atacantes
de delegacias em São Paulo e no
Rio, os assaltantes mortos no pedágio perto de Sorocaba, por toda
a parte eles exibem armamentos
sofisticados, de fabricação estrangeira, munição importada e, com
frequência cada vez maior, granadas e outras armas de uso das
Forças Armadas brasileiras.
Nenhuma operação, conjunta
ou isolada, trará algum resultado
resultado duradouro se a instrumentação da bandidagem não
for muito dificultada. Como bandidos presos ou mortos são substituídos de imediato, pela reserva
de milhões de jovens destinados
ao submundo dos crescentes 40
milhões de miseráveis, a continuada obtenção de armamento
impede efeitos práticos da repressão à criminalidade.
Cabem, então, algumas perguntas, se não novas, sempre evitadas. As fronteiras, vá lá, são peneiras incontroláveis, mas o armamento que entra é transportado, depositado e distribuído nos
centros urbanos e suas redondezas: por que não há, nunca, descoberta policial dessa atividade e
desses depósitos, como acontece
com drogas? Por que os interrogatórios de bandidos obtêm dados
sobre cumplicidades, métodos,
planos, mas não se ocupam de informações sobre a obtenção dos
armamentos que, no entanto, a
polícia expõe em caprichosas arrumações para as câmeras de TVs
e jornais?
Perguntas assim podem multiplicar-se, mas, em vez disso, aqui
bastará uma observação complementar: em um dos raríssimos casos, talvez único, de prisão de um
envolvido no fornecimento grosso
de armas à bandidagem, o caso
foi depressa abafado, sem que
soubesse coisa alguma sobre os
meios de abastecimento desse distribuidor, coronel da Aeronáutica
-por que isso?
O propósito de ação conjunta,
força-tarefa ou lá que outro nome
dêem, é, afinal, um avanço. Mas
só será um resultado se partir de
novas perguntas para chegar a
novas respostas práticas. Do contrário, é só esperarmos, indefessos
sempre, pelo próximo avanço na
agressividade e nos requintes perversos que estão fazendo da vida
uma questão de sorte: não ser, por
mero acaso, o escolhido pelo bandido mais próximo.
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