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São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

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REFORMAS

Governo articula bombardeio para convencer deputados; Dirceu vê "credibilidade" política do governo em jogo

Planalto aumenta pressão sobre Congresso

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva intensifica nesta semana o bombardeio de informação e de pressão política sobre o Congresso para diminuir as resistências às propostas de reformas tributária e previdenciária. Nas palavras usadas pelo ministro José Dirceu (Casa Civil), em reuniões reservadas, "está em jogo a credibilidade" do governo.
Segundo a Folha apurou, Dirceu argumenta com os rebeldes, petistas e aliados, que as reformas são promessa de campanha de Lula, fruto de duas reuniões com todos os 27 governadores e simbolizam, na área política, o pilar do governo. O pilar econômico é a gestão de Antonio Palocci Filho (Fazenda), considerada exitosa e defendida por Dirceu e Lula, apesar das muitas críticas que recebe de setores historicamente ligados ao PT.
Lula tem demonstrado impaciência perante interlocutores que indagam se os 92 deputados federais do PT lhe darão apoio, especialmente no ponto mais polêmico da reforma tributária: a cobrança previdenciária de 11% dos funcionários públicos inativos a partir de R$ 1.058.

Desmoralização
Cerca de metade da bancada é contra a tributação dos inativos. Dirceu diz que seria "desmoralizante" eventual derrota estimulada por hesitação do PT. Ele também diz que a proposta não é bode por ser resultado de acordo com os governadores.
Para mostrar força, o ato de entrega das reformas é cuidadosamente preparado. Foi descartada, por exemplo, uma "marcha" do presidente e governadores do Palácio do Planalto ao Congresso. Poderia parecer uma pressão arrogante numa hora em que crescem obstáculos às reformas. Lula quer reunir todos os 27 governadores para entregá-las ao Congresso em cerimônia na quarta-feira, 30 de abril, às 16h.
Até ontem, também estava descartado o envio da reforma tributária ao Senado, como preferem Lula e os governadores, e a previdenciária à Câmara. Eles avaliam que isso facilitaria a tramitação. Mas Lula cedeu ao caminho tradicional para não melindrar a Câmara. Para fugir de eventual contestação jurídica, um senador da base aliada deveria apresentar a proposta de emenda constitucional, o que provocaria desgaste político do mesmo jeito. Dificilmente muda a decisão de que as duas reformas comecem a tramitar pela Câmara dos Deputados.

Rosinha no avião
Mais: a indócil governadora do Rio, Rosinha Garotinho (PSB), que chamou de "cretina" a proposta de reforma tributária e está desde o início do mandato em rota de atrito com o Planalto, já confirmou presença. Lula estará no Rio na quarta-feira de manhã. Ela deve voltar com Lula no avião.
Desde a última quinta, o chefe de Gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, dispara telefonemas para confirmar a presença de todos os governadores. Lula deverá discursar na entrega das reformas ao presidente da Câmara, João Paulo Cunha (SP). O presidente do Congresso e do Senado, José Sarney (PMDB-AP), participará. Há a possibilidade de um governador também discursar, mas está difícil decidir quem fala.

Cartilha
Para o bombardeio de informação e de política, estão previstas reuniões de Lula e de seus principais articuladores com as bancadas de deputados federais (a começar do rebelde time petista), conversas com líderes de partidos aliados, contatos com a oposição e a distribuição de uma cartilha com perguntas e respostas sobre a reforma da Previdência, a proposta mais polêmica.
O objetivo é seduzir o Congresso com muita conversa, mas também cobrando fidelidade do PT e dos aliados, já que todos têm recebido sua cota de cargos no governo. Haverá nova ofensiva sobre o PMDB, partido cuja maioria deseja apoiar o governo, mas que tem uma dissidência que ameaça crescer com a indefinição sobre uma oferta ministerial ao partido.
"Temos de conversar como nunca, ganhar os deputados e os senadores, tratar com carinho essa articulação", disse Lula a auxiliares. A Folha apurou que, para o presidente, os governadores e a sociedade civil, via Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, já foram suficientemente "trabalhados". Já o Congresso, não. Estaria carente, crê Lula, de informação e articulação. A antecipação do envio das reformas, de junho para o fim de abril, cortou um tempo que era planejado para conquistar apoio parlamentar.
Agora, além da agressiva campanha de mídia "Reformas: o povo quer, o Brasil precisa", para ganhar a população e pressionar congressistas, será preciso um trabalho de corpo-a-corpo.
Para aprovar as reformas, Lula precisa do apoio de 60% dos deputados federais (308) e dos senadores (49) em dois turnos de votação nas duas Casas do Congresso. É o quórum mais alto exigido para aprovação de propostas. Sem a adesão em peso do PMDB e com as atuais rebeldias na própria base, especialmente no PT, PDT e PC do B, será fundamental o êxito de articulações com uma oposição que tem subido o tom. Do contrário, há risco de derrota.
A esperança de Lula é que os governadores pressionem suas bancadas. Do PSDB, Lula já obteve a promessa de que haverá empenho desde que o PT vote unido.

Enquadramento
É por isso que o PT será um capítulo à parte. Os ministros Ricardo Berzoini (Previdência) e José Dirceu (Casa Civil) vão continuar a dura operação de enquadramento da bancada em duas reuniões na segunda-feira.
Hoje, cerca de metade da bancada resiste principalmente à tributação de inativos a partir de R$ 1.058. A intenção de Dirceu e Berzoini, auxiliados por um grupo de deputados moderados, é reduzir essa resistência ao mínimo possível, abrindo caminho para um almoço de Lula com a bancada no dia seguinte.
Na segunda, o Ministério da Previdência deverá entregar à bancada petista, e começar a distribuir no dia seguinte para as demais bancadas parlamentares, a cartilha com perguntas e respostas sobre a Previdência. Assessores deverão deixar os textos em cada um gabinetes dos 513 deputados e 81 senadores.
Na reforma tributária, há menos problemas, mas também menos consenso. A maior polêmica é a decisão sobre cobrar o novo ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), se no Estado de produção (origem) ou no de consumo (destino).
Para evitar problemas imediatos, o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) optou por deixar essa polêmica para ser decidida daqui a dois anos, mas fatia significativa dos parlamentares e dos governadores quer definição já.
Do ponto de vista político, a reforma da Previdência do governo Lula é mais dura do que a apresentada na gestão Fernando Henrique Cardoso, atacada pelo próprio PT quando estava na oposição. Já a tributária parece cópia fiel de uma proposta feita pelo governo FHC.


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