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São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

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REFORMA TRIBUTÁRIA

Paulo Clóvis Panzarini acha proposta tributária do governo fraca

Economista prevê uma carga tributária maior

JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL

O economista Paulo Clóvis Panzarini, ex-coordenador da administração tributária do Estado de São, avalia que a reforma proposta pelo governo deve causar aumento da carga tributária, além de tornar o sistema mais complexo. "Como já se disse, é sempre possível piorar um pouco as coisas, e eu suspeito que vão conseguir piorar o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços)", disse Panzarini, que, apesar de destacar a necessidade da reforma, classificou como "fraca" a proposta do governo.
Para ele, focou-se muito na alteração do ICMS, que interessa os governadores, deixando de lado mudanças no Imposto de Renda e nos tributos que incidem sobre o consumo. Dessa forma, avalia, a reforma dificilmente conseguirá reverter a estrutura regressiva da arrecadação de impostos.
 

Folha - A proposta do governo altera os problemas estruturais do sistema tributário brasileiro?
Paulo Clóvis Panzarini -
São problemas graves, difíceis de você consertar nessa reforma. Nos países desenvolvidos, os impostos diretos, que são os impostos progressivos, que incidem sobre a renda e o patrimônio, representam a grande maioria da receita tributária -70%, 80% do total. Já no Brasil nós temos uma relação inversa: os impostos diretos representam 20% ou 30% do total.
Essa reforma tributária objetiva basicamente três pontos: reduzir custo Brasil, ou seja, dar mais competitividade ao setor produtivo, acabando ou reduzindo os impostos em cascata e tornando o sistema mais simples. Objetiva, também, acabar com a guerra fiscal. Nesse sentido, a proposta que resultou de toda essa discussão é, no meu entender, muito fraca.

Folha - Por quê?
Panzarini -
Centrou-se muito no ICMS e, na minha opinião, o que se propõe para consertá-lo não vai atingir os objetivos. Eu suspeito que o resultado vai ser pior do que o que existe hoje. Existe o risco de você conseguir piorar uma coisa que já não presta. Como já se disse, é sempre possível piorar um pouco as coisas, e eu suspeito que vão conseguir piorar o ICMS.

Folha - De que forma?
Panzarini -
Na verdade, vão unificar a legislação e as alíquotas e cobrar o imposto na origem, ainda que ele pertença ao destino no todo ou na parte. A unificação das alíquotas implica necessariamente aumento de carga tributária, porque, na medida em que você unifica alíquotas desiguais, faz isso pelo teto, pelo piso ou pela média. Eu suspeito que a unificação será pelo teto porque os Estados que praticam as alíquotas mais altas não se conformarão em perder arrecadação.
Óleo diesel, por exemplo. Os Estados de São Paulo e do Paraná cobram 12%, e o resto do Brasil cobra 18%. Eu duvido que vá se unificar em 12%. O contribuinte vai ter um aumento de carga tributária, e o governo paulista um aumento de arrecadação.

Folha - E o lado bom da proposta?
Panzarini -
O lado bom da proposta é o objetivo de acabar com a cumulatividade da Cofins, que tem a mesma característica que a CPMF. Funcionam como uma barreira alfandegária às avessas, ou seja, tributam a nossa produção e não tributam, ou tributam muito pouco, o que vem de fora.
Só que isso vai significar redistribuição também de custos e carga tributária para os setores que não têm insumos, como o setor de serviços. Isso porque o aumento da alíquota da Cofins daria direito a um crédito pago anteriormente. Setores que não têm crédito, porque não têm insumos, terão só aumento de alíquota.

Folha - O que faltou para uma proposta mais profunda?
Panzarini -
Eu acho que o Brasil cobra muito mal os impostos diretos, especialmente, o Imposto de Renda, que acabou sendo abandonado ao longo do tempo -48% do Imposto de Renda é distribuído para Estados e municípios- assim como o IPI foi abandonado pelo governo federal. Hoje, paga Imposto de Renda basicamente o assalariado que recolhe na fonte.
Então, uma reforma tributária ampla teria que olhar para esses impostos para que eles ganhassem uma parcela maior do total da arrecadação tributária. Isso permitiria a redução da carga tributária dos bens de consumo, tornando o sistema mais justo.

Folha - A unificação do ICMS não deixará o sistema mais simples e fácil de fiscalizar?
Panzarini -
Uma das bandeiras dessa reforma é a simplificação. Eu suspeito que o que vai ser feito vai aumentar a complexidade do modelo. O modelo define que o imposto na operação interestadual será cobrado na origem com repasse do valor para o tesouro do Estado destinatário.
Só que, quando se faz isso, atribuí-se a cada contribuinte que pratica operação interestadual o cumprimento da obrigação tributária junto ao Estado de destino. Então, se for um contribuinte que abastece o Brasil inteiro, ele passará a ser contribuinte dos 27 fiscos do Brasil. Seria o caos total.

Folha - A proposta é eficiente no combate à guerra fiscal?
Panzarini
- Implementar o princípio de destino, ou seja, acabar a tributação na fronteira é a única forma de acabar com a guerra fiscal. A guerra fiscal não tem nada a ver com alíquota interna. Pratica-se guerra fiscal cobrando alíquota e depois financiando o imposto, devolvendo. As batalhas mais duras da guerra fiscal se fizeram exatamente no setor automotivo, onde a alíquota já é única no Brasil.

Folha - O sr. acha então que desenvolveram uma proposta que será difícil de funcionar?
Panzarini -
Eu acho que estão adiando. Na pressa de aprovar a emenda, e é uma pressa legítima porque o mercado espera isso, estão adiando o debate da operacionalização e há o perigo de descobrir depois que nós aprovamos uma coisa que não é operacional.
Eu temo que acabemos por criar um modelo extremamente mais complexo do que é hoje.


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