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REGIME MILITAR
Diante de decisão judicial, Planalto encampa versão do Exército
Governo vai defender que não há arquivo do Araguaia
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Palácio do Planalto, os ministérios envolvidos, a direção do PT
e os comandos militares acertaram um discurso e uma ação comum diante da decisão judicial de
quebra de sigilo das informações
militares sobre a guerrilha do
Araguaia: não entrar com recurso
e alegar que os documentos simplesmente não existem.
Conforme a Folha apurou, o
governo e o PT decidiram encampar o discurso habitual do Exército de que não havia documentos
e, se havia, eles foram destruídos e
não existem mais. Além disso, encampam a versão militar de que
as testemunhas ainda vivas da
guerrilha não conseguem identificar as covas improvisadas para os
61 desaparecidos cujas famílias,
30 anos depois, ainda reclamam
seus restos mortais ao Estado.
O grande temor do governo é
que essa questão detone manifestações "raivosas", "revanchistas"
e "fora de hora" de setores da esquerda e do próprio PT, criando
constrangimentos para o Planalto, inclusive nas suas relações
com os militares. Esse movimento viria num momento já delicado, com o recrudescimento de invasões e confrontos tanto nas
áreas rurais, sob o comando do
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), quanto
nas regiões urbanas, por estímulo
de difusos grupos de sem-teto.
Assim, a possibilidade de o governo entrar com recurso contra a
determinação judicial, proferida
pela juíza federal Solange Salgado,
da 1ª Vara Federal do Distrito Federal, é praticamente zero.
Na avaliação política dos setores
envolvidos, o governo e o próprio
presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderiam ser acusados de
"traição às bandeiras históricas
do PT", partido que sempre encampou a defesa da abertura de
documentos da guerrilha e da entrega definitiva dos restos mortais
dos guerrilheiros.
Não faltam acusadores potenciais: além dos radicais do próprio
partido, como a senadora Heloísa
Helena (AL) e um grupo de deputados, os movimentos de direitos
humanos, o MST e até os juízes e
servidores públicos contrários à
reforma da Previdência.
Entrar com recurso "seria dar
carne aos leões", ouviu a Folha
num gabinete chamado a participar das discussões e da decisão de
como agir diante da complexa
questão da guerrilha do Araguaia,
movimento armado contra o regime militar conduzido pelo PC
do B (aliado do governo Lula) na
região do Bico do Papagaio, entre
Tocantins, Pará e Maranhão.
A dedução em diferentes setores ligados à questão é que o Araguaia foi o assunto predominante
da reunião de sexta, no Planalto,
entre Lula, o ministro da Defesa,
embaixador José Viegas, e os três
comandantes militares -general
Francisco Roberto de Albuquerque (Exército), brigadeiro Luiz
Carlos da Silva Bueno (Aeronáutica) e almirante Roberto de Guimarães Carvalho (Marinha).
Oficialmente, porém, a reunião
foi convocada para repassar a nova lista de promoções de oficiais
das três Forças, e nenhum dos
participantes comentou a questão
do Araguaia, nem antes nem depois. Mas o fato é que o discurso
vem sendo unificado no governo
e no PT, e estão previstas novas
rodadas de conversa na próxima
terça-feira entre, por exemplo,
Viegas, o ministro da Justiça,
Márcio Thomaz Bastos, e o advogado-geral da União, Álvaro Ribeiro da Costa.
O governo também tem mantido contato com o presidente do
PT, José Genoino (ele próprio um
dos guerrilheiros do Araguaia),
com o secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, e com
o presidente da Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara,
Luiz Eduardo Greenhalgh.
Os petistas Miranda e Greenhalgh têm liderado, ao longo dos
anos, o movimento para a abertura dos documentos sigilosos do
Araguaia e da entrega das ossadas
às famílias. A posição deles agora,
portanto, é especialmente embaraçosa. O governo aceita que eles
mantenham o discurso para o
"público externo", mas espera
que não ajudem a botar Lula e o
Planalto contra a parede.
A questão é tratada com cuidado e atenção em Brasília, principalmente porque envolve um outro Poder, o Judiciário. Não há como, por exemplo, enviar um
emissário para conversar com a
juíza e tentar colocar argumentos
políticos. Isso poderia ser interpretado (e até divulgado) como
pressão ou interferência indevida.
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