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Na zona leste de São Paulo, levantamento informal com 20 moradores mostra que 72% estão desempregados
Na rua do Trabalho, o emprego virou sonho
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Depois de 29 anos e 11 meses de
trabalho, o almoxarife Alcides
Antunes Medeiros achou que
chegara a hora de "colocar o burro na sombra": mais um mês e
adeus trabalho, estaria aposentado. Medeiros, 53, não imaginava
que entre ele e a aposentadoria
havia a globalização e o sumiço do
emprego. O banco em que trabalhava foi comprado por um gigante espanhol, o Santander. Ele
foi demitido e, quatro anos depois, continua desempregado.
Para se aposentar, teve que pagar o mês que faltava do próprio
bolso, mas ainda não viu a cor do
dinheiro três anos depois de ter
dado entrada com o pedido.
"Lá na Previdência ou eles estão
em greve ou o sistema está fora do
ar. Nada funciona", reclama. Ele
sobrevive vendendo cerveja e refrigerante no Parque Ecológico
do Tietê. Fatura R$ 100, R$ 120
por fim de semana.
Casos como o Medeiros são rotineiros onde mora, na rua do
Trabalho, numa região de classe
média baixa em Vila Matilde, zona leste de São Paulo, com casas
térreas geminadas espremidas
entre jardinzinhos com roseiras e
um cimentado à guisa de quintal
ao fundo. Levantamento informal
feito pela Folha com 20 moradores da rua do Trabalho, sem qualquer valor estatístico, mostrou
que a taxa recorde de 13% de desempregados, divulgada semana
passada, seria um sonho por ali.
Na rua do Trabalho, 72% dos entrevistados estão desempregados.
Sem emprego, bico ou biscate
tornaram-se um modo de vida na
rua do Trabalho. Cada um se vira
como pode. Fernando Ferreira
Baldaia, 22, que teve um único
emprego com carteira assinada e
está desempregado há três anos,
procurava comprador para um
canário no bar Casa do Norte,
aberto pelo também desempregado Márcio Batista Gonçalves, 41.
"Fiz curso de cozinheiro no Senac, de dois anos, mas sobrevivo
fazendo bico como pintor", diz
Baldaia. Currículo de cozinheiro,
ele quase desistiu de mandar. "Já
mandei mais de mil, mas não me
aceitam porque tenho pouco estudo e por causa da cor", diz o rapaz negro que saiu da escola na 4ª
série. Sobrevive com R$ 200, a
metade do que ganhava quando
era repositor num supermercado
e saiu brigado com o gerente que
chamou-o de "nego preguiçoso".
"Agora, não dá mais para sair e
dançar no Projeto Radial. Funk,
rap, pagode, tem de tudo lá, tudo
coisa que eu gosto. Minha diversão é trazer meus filhos para o bar
e jogar conversa fora."
A coluna de perdas e danos de
Armando Hernandes, 49, é bem
mais extensa e dramática. Desempregado há nove anos, quando foi
demitido do cargo de analista de
transportes da CMTC (a privatizada empresa de ônibus paulistana), viu seu salário encolher de R$
6.600 para uma média de R$ 800,
a soma dos bicos que faz vendendo lenha para pizzarias ou instalando terminais de computador.
Hernandes diz ter feito três faculdades (química na USP, física e
matemática em universidades
privadas), mas seu ganho fixo não
passa de R$ 35 por semana com
duas aulas de química que dá numa escola (R$ 17,50 por aula). "O
que me salvou o ano é que vendi
um sobrado e ganhei R$ 12 mil de
comissão", relata.
As perdas afetivas não foram
menores. O desemprego, segundo ele, acelerou o fim do casamento. As pescarias e as viagens
acabaram. Os amigos sumiram.
"Quando falta dinheiro, a mulher
e os amigos entre aspas desaparecem. É a parte mais chata da vida
de desempregado", diz.
A coisa mais rara da rua do Trabalho é achar alguém com menos
de 25 anos que tenha tido a carteira assinada alguma vez na vida.
Aos 24 anos, 2º grau completo e
curso de mecânico de refrigeração no Senai, Rodrigo Batista Moraes queria seguir os passos do
pai, ex-encarregado de ferramentaria da Bosch: "Meu sonho era
trabalhar numa firma boa, numa
multinacional. Mas todo mundo
exige três anos de experiência.
Como vou ter experiência se não
me dão chance de começar?"
Casado com uma secretária,
que ganha R$ 530 por mês, Moraes tornou-se motoboy ("Filho
de rico é boy. Filho de pobre é
motoboy" é a divisa em seu capacete). Quando tudo dá certo e a
moto não quebra, ganha até R$
500 levando pizzas e pastéis. "Do
jeito que as coisas estão, não sonho mais. Acho que nunca vou ter
carteira assinada. Só não entendo
por que querem mexer na Previdência. Por que mexer na aposentadoria se não tem emprego?"
Os sonhos não sumiram, mas
foram se apequenando para Eric
Américo da Silva, 19. Com o 2º
grau completo, ele ganha cerca de
R$ 200 por mês entregando galões de água. Há três, quatros
anos, sonhava ser cartunista e seguir os passos de um de seus heróis, Genndy Tartakovsky, o criador do desenho animado "O Laboratório de Dexter", cujo nome
soletra com precisão e sem qualquer vestígio de exibicionismo.
Seu sonho agora é bem mais comezinho: quer ter um emprego
com carteira: "Sem carteira, eu
nunca sei quanto vou receber no
final do mês porque eu ganho por
cada entrega que faço. Não dá para fazer dívida nem planos de longo prazo. Só dá para viver o presente e isso é meio chato".
O aposentado Euclides Sala, 70,
não tem por que reclamar de trabalho: foi empregado por 58 anos.
Mas, como não consegue sobreviver com o salário mínimo que ganha como aposentadoria, montou uma oficina de conserto de
geladeiras e máquinas de lavar.
O problema é que os serviços na
vizinhança foram minguando
tanto que hoje a oficina não rende
mais do que R$ 50, R$ 60 por semana. "Comecei a trabalhar aos
12 anos, em 1935. Consertava máquina de costura na rua Maria
Marcolina. Nunca vi tanta gente
sem ter o que fazer. Tudo por aqui
já foi melhor", recorda Sala.
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