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Índios gays são alvo de preconceito no AM
Jovens da etnia ticuna, que vivem em aldeia em Tabatinga, são agredidos com pedras e garrafas e chamados de "meia coisa"
"Isso é novo para a gente", diz administrador da Funai; Darcy Ribeiro registrou homossexualidade entre índios desde o século 19
KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA,
EM TABATINGA (AM)
Entre os índios ticuna, a etnia mais populosa da Amazônia
brasileira, um grupo de jovens
não quer mais pintar o pescoço
com jenipapo para ter a voz
grossa, como a tradição manda
fazer na adolescência, nem
aceita as regras do casamento
tradicional, em que os casais
são definidos na infância.
Esse pequeno grupo assumiu
a homossexualidade e diz sofrer preconceito dentro da aldeia, onde os gays são agredidos
e chamados de nomes pejorativos como "meia coisa". Quando
andam sozinhos, podem ser alvos de pedras, latas e chacotas.
Três ticunas da aldeia Umariaçu 2, na região do Alto Solimões, em Tabatinga (1.105 km
de Manaus), contaram para a
Folha como é a vida dos homossexuais indígenas na fronteira com a Colômbia e o Peru.
A população ticuna no Alto
Solimões soma 32 mil índios.
Na aldeia Umariaçu 2, que fica
no perímetro urbano de Tabatinga, vivem 3.649 índios ticunas, 40% com menos de 25
anos. Entre esses jovens, pelo
menos 20 são conhecidos como
homossexuais assumidos.
Segundo a Funai (Fundação
Nacional do Índio), há registros
de gays também nas aldeias de
Umariaçu 1, Belém do Solimões, Feijoal e Filadélfia.
"Isso é novo para a gente.
Não víamos indígenas assim,
agora rapidinho cresceu em todas as comunidades. São meninos de 10, 15 anos", disse Darcy
Bibiano Murati, 40, que é indígena da etnia ticuna e administrador substituto da Funai.
Marcenio Ramos Guedes, 24,
e seu irmão, Natalício, 22, pintam o cabelo e as unhas e fazem
as sobrancelhas. Trabalham como dançarinos em um grupo típico ticuna que se apresenta
nas cidades da região.
Marcenio diz que brigava
muito com o pai e que saiu de
casa aos 15 anos. "Fui para Tabatinga trabalhar como "empregada doméstica". Eu fazia
comida, passava roupa, lavava."
Ao voltar para casa, uma
construção de madeira com
dois cômodos, onde mora com
quatro dos sete irmãos e os
pais, Marcenio resolveu cuidar
dos afazeres domésticos. O grupo de dança foi criado em 2007,
com apoio da família.
"Não sofro discriminação
por dançar, todo mundo respeita, assiste. Sofro preconceito
[de outros jovens] na aldeia. Se
falo alguma coisa, querem me
bater, jogar pedra, garrafa."
Natalício diz que tem medo
de andar sozinho. "Vou sempre
com um colega", afirma.
O ticuna Clarício Manoel Batista, 32, é professor do ensino
fundamental e estuda pedagogia na UEA (Universidade Estadual do Amazonas), em Tabatinga. Ele foi um dos primeiros
a assumir a homossexualidade
na aldeia Umariaçu 2. "Alguns
me discriminam -indígenas
daqui, não-indígenas também.
Fico calado, não falo nada. Eu
não ligo para eles", diz.
Clarício disse que contou aos
pais que era gay aos 16 anos.
"Meu pai não me maltratava
porque sempre gostei de estudar, sempre fiz tudo em casa:
limpeza, comida, lavar louça."
Questionado se foi pelo trabalho doméstico que ganhou
respeito em casa, ele confirmou. "Na verdade, eles [os pais]
não queriam que eu fosse assim
[gay]. Eles não gostam. Dizem:
ninguém gosta desse jeito."
O antropólogo Darcy Ribeiro
(1922-1997) escreveu que há
registros de homossexualidade
entre índios desde ao menos o
século 19. Em Mato Grosso, ele
estudou os cadiuéus, que chamavam o homossexual de kudina -que decidiu ser mulher.
O cientista social e professor
bilíngüe (português e ticuna)
de história Raimundo Leopardo Ferreira afirma que, entre os
ticunas, não havia registros anteriores da existência de homossexuais, como se vê hoje.
Ele teme que, devido ao preconceito, aumentem os problemas sociais entre os jovens, como o uso de álcool e cocaína.
"Isso [a homossexualidade] é
uma coisa que meus avós falavam que não existia", afirmou.
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