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CENÁRIO
Revisão do acordo indicará o que eventual governo do PT poderá fazer em 2003
Negociações com o FMI vão ditar os planos de transição
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Por ironia do destino, o petista
Luiz Inácio Lula da Silva, prestes a
finalmente conquistar a Presidência da República, definirá seus
planos para a transição de governo a partir de uma negociação
com o FMI (Fundo Monetário Internacional) dentro de duas ou
três semanas.
Nesse prazo, chegará ao país
uma missão do Fundo encarregada de revisar o acordo firmado
com o governo Fernando Henrique Cardoso e endossado pelo
outrora defensor radical do rompimento com o organismo e seu
receituário.
Lula precisa desesperadamente
dos US$ 24 bilhões oferecidos pelo FMI para a travessia do ano de
2003, que ainda deverá ser marcado pela crise internacional e a escassez de capitais para os países
periféricos.
Em troca, terá de se comprometer a não complicar ainda mais a
turbulência financeira global, ou
seja, honrar o pagamento dos
contratos do país e providenciar
uma economia anual de pelo menos 3,75% do PIB (Produto Interno Bruto), ou R$ 53 bilhões, para
abater a dívida pública.
O "pelo menos" não está no
acordo à toa. O Fundo se reserva o
direito de exigir sacrifícios maiores caso ache necessário -e é isso
mesmo que seus técnicos vêm
discutir com os assessores de Lula. A equipe de FHC já anunciou
que terá um papel secundário nos
entendimentos.
A negociação, que terá de ser
concluída até 6 de dezembro, estabelecerá as providências a serem tomadas até a posse de Lula e
o que o PT poderá oferecer aos
eleitores no início do mandato.
Correr contra o tempo
Do ponto de vista estritamente
técnico, será necessário elevar o
superávit primário estabelecido
no acordo. O valor foi projetado
para estabilizar a dívida pública
em 59% do PIB, contando com juros em queda, dólar a R$ 3 e crescimento econômico de 3%.
De lá para cá, a dívida passou de
60% do PIB, os juros foram de
18% para 21% ao ano, o dólar passou de R$ 3,70 e o mercado passou a temer recessão no próximo
ano. Ainda que os indicadores
melhorem, é praticamente impossível voltar ao cenário previsto
antes.
Para se encontrar com o FMI
em situação menos desfavorável,
o comando petista tem poucos
dias para, em meio às festas pela
vitória eleitoral, acalmar o mercado e produzir expectativas melhores -a queda do dólar na semana
passada foi um bom sinal.
O Fundo pode, diante da importância geopolítica do Brasil na
América Latina e por compreender as dificuldades de um governo recém-eleito, não ser tão exigente no aperto fiscal. Mas, nesse
caso, a condição provável é o
compromisso de manter os superávits por um prazo que pode superar um mandato presidencial.
Das condições acertadas com o
Fundo dependerá o futuro do Orçamento de 2003, que precisa ser
aprovado pelo Congresso ainda
neste ano. Se o projeto elaborado
pelo governo FHC já previa um
ano difícil, o agravamento da crise
econômica tende a exigir um
ajuste ainda mais dramático.
Com crescimento menor do
PIB, a arrecadação pode ficar
abaixo dos R$ 328 bilhões previstos. A alta da inflação, consequência da disparada do dólar, eleva as
pressões por reajustes do salário
mínimo e dos vencimentos dos
servidores federais.
Promessas
Algumas das promessas de
campanha podem desabar na hora de fazer as contas. É o caso do
mínimo, cujo poder de compra
Lula prometeu dobrar em quatro
anos -o que significa um aumento médio anual de 19%, mais
a variação dos preços.
Para começar o processo já no
ano que vem, seria preciso conseguir mais de R$ 6,5 bilhões em aumento de receitas ou corte de gastos, ainda assim supondo que o
FMI não faça novas exigências
nas negociações de novembro.
Da forma como está, o Orçamento só permite um mínimo de
R$ 211 em 2003, um reajuste de
5,5% insuficiente até para compensar a alta dos preços. Se ficar
apenas nisso, Lula teria de conceder reajustes reais de 26% a partir
de 2004 para alcançar sua meta.
Outro desafio é dar início ao
principal projeto social de Lula, o
Fome Zero, cuja proposta mais
ambiciosa é distribuir cupons de
alimentação a 44 milhões de pobres e indigentes, ao custo anual
de R$ 20 bilhões.
Segundo o economista José
Graziano, coordenador do projeto, a intenção é -ou era- atingir
25% da cobertura total no primeiro ano de governo. Os R$ 5 bilhões necessários viriam do remanejamento das verbas sociais hoje
existentes.
Sobram ao PT dois meses para
rearranjar o orçamento social,
que envolve articulação com Estados e municípios, definir o público-alvo, providenciar a confecção
dos cupons na Casa da Moeda e
credenciar os estabelecimentos
autorizados a fornecer alimentos
aos beneficiários do Fome Zero.
Por enquanto, a alteração mais
provável no Orçamento é impopular: prever receita adicional de
R$ 2 bilhões por meio da suspensão da queda de 27,5% para 25%
da alíquota mais alta do Imposto
de Renda da Pessoa Física.
Reformas
A agenda imediata no Congresso tem ainda duas reformas potencialmente polêmicas, na regulamentação do setor financeiro e
no sistema de impostos do país.
Com a primeira, o PT pretende
dar autonomia ao Banco Central,
concedendo mandatos fixos ao
presidente e aos diretores da instituição. O objetivo é acalmar o
mercado, que teme pressões políticas do partido sobre a condução
das políticas de juros e de câmbio.
A operação tem de ser combinada com uma escolha delicada, a
do futuro presidente do BC. Lula
terá de definir um nome que inspire confiança e, ao mesmo tempo, possa se entender com os ministros da Fazenda e do Planejamento -que, segundo os petistas
têm dado a entender, serão mais
próximos do setor produtivo e do
pensamento do partido.
Para ressuscitar a reforma tributária, o projeto básico é o aprovado no final de 99 por uma comissão especial da Câmara, que se
perdeu na burocracia do Congresso devido à oposição da equipe econômica. A renegociação do
texto, porém, terá de envolver os
governadores eleitos, prefeitos,
empresários de todos os setores e
-trata-se de um governo Lula-
os trabalhadores.
Como uma reforma constitucional depende da aprovação de
três quintos da Câmara e do Senado e a reforma traz consigo o risco
de queda na arrecadação, a lógica
aponta que nada estará resolvido
no curto prazo.
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