|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TRANSIÇÃO
ADMINISTRAÇÃO Presidente nacional do PT diz não querer conter a "demanda social", mas prega ortodoxia ao declarar que governo não é para apoiar greve ao defender limites para reajuste do mínimo
"2003 será ano de crise", afirma Dirceu
PLÍNIO FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
Se há uma onda vermelha nestas eleições, o país sairá dela em
cenário nada róseo. "2003 será
um ano de crise e com margem de
manobra pequena para o novo
governo", afirma o presidente nacional do PT, José Dirceu de Oliveira e Silva, 56, o mais influente
cardeal da virtual administração
de Luiz Inácio Lula da Silva.
"O [José] Serra nos prestou um
grande serviço: mostrou a gravidade da crise, a pretexto de fazer
terrorismo eleitoral", diz o deputado federal, reeleito com 556.563
votos, o segundo mais votado do
país, em parte graças ao uso quase
exclusivo do tempo destinado pelo PT aos parlamentares no horário gratuito em São Paulo.
Como resposta à crise, Dirceu
pretende articular com o governo
Fernando Henrique Cardoso, a
aprovação até dezembro de maior
autonomia administrativa para o
Banco Central -com a regulamentação do artigo 192 da Constituição- e uma minirreforma tributária que permita a desoneração das exportações para que o
país aumente o superávit na balança comercial.
Ministro provável, Dirceu afirma que não pretende conter a
"demanda" dos movimentos sociais e que espera manifestações e
greves contra o governo petista.
Mas prega a ortodoxia: "Não é papel do governo apoiar greve. É
buscar saída para o conflito".
Casado, pai de três filhos e advogado por formação, Dirceu iniciou o curso de direito na PUC-SP, em 1965, e só o concluiu em
1983. No intervalo de 18 anos, foi
líder estudantil, preso e banido
pelo regime militar, viveu exilado
em Cuba e como clandestino no
Paraná antes da anistia em 1979.
Não concluiu o curso de pós-graduação em economia, à qual se
dedicou dois anos, por causa da
carreira política -que agora vai
levá-lo a ser o principal operador
de um governo que enfrentará a
desconfiança do mercado financeiro internacional.
Folha - Lula é o virtual presidente
eleito. E agora?
José Dirceu - O mais importante
é a ida ao presidente FHC, o anúncio da equipe de transição e as iniciativas no Congresso Nacional.
Temos uma pauta trancada no
Congresso: o Orçamento para
2003, a regulamentação do artigo
192 da Constituição e as medidas
tributárias que podemos adotar.
Vamos ter de construir com
nossos aliados a proposta do ministério, mas nós temos um tempo. O importante é anunciar a
equipe de transição. Para o ministério, temos um tempo político.
Não se pode ter dois presidentes
do Banco Central, dois ministros
da Fazenda, dois ministros das
Relações Exteriores no país. Final
de governo é a época de anunciar
ministério. Se houver necessidade
política, pode-se anunciar antes.
Folha - A equipe de transição será
mais ampla do que o PT?
Dirceu - É natural que ela não seja exclusivamente do PT. Existe
uma estrutura que o governo colocou à disposição com 51 cargos
técnicos, mas isso não tem nada a
ver com a equipe de transição.
Não acredito que seja uma equipe
grande. Tem de ser pequena, porque tem de cuidar dos assuntos
políticos, econômicos e administrativos do país na transição.
Folha - Essa equipe de transição
não seria nenhuma sinalização ao
mercado, como se especula?
Dirceu - O mais importante nesse sentido já fizemos: a "Carta ao
Povo Brasileiro", nosso programa
de governo, o pronunciamento
que o Lula fez na TV na última semana de campanha, a nossa determinação de votar a regulamentação do artigo 192, que já abriu a
discussão sobre a questão da autonomia operacional do BC, e o
Orçamento que vamos fazer para
2003.
Folha - A discussão do artigo 192
envolve a regulamentação polêmica dos juros reais de 12% ao ano.
Dirceu - Isso vamos discutir depois, até porque o país está com
uma inflação de 14%.
Folha - O modelo de autonomia
do Banco Central será o inglês?
Dirceu- Isso vamos discutir. O
importante é mudar o artigo 192 e
discutir a autonomia administrativa do Banco Central. Quando ela
ocorrerá e qual o seu caráter, vamos pactuar na sociedade.
Folha - Mas o fundo da discussão
é mais ou menos o mesmo do modelo inglês: um Banco Central compromissado com uma meta de inflação estabelecida pelo governo,
mas com liberdade de atuação monetária para cumpri-la.
Dirceu - Temos compromisso
com o controle da inflação. Já assumimos compromisso com o
superávit fiscal. Mas queremos
mudar a política econômica do
país e vamos mudar. Há uma
transição para isso. Vamos trabalhar na perspectiva de que 2003
será um ano de crise. A sociedade
tomou consciência no processo
eleitoral de que a margem de manobra é pequena, de que a situação internacional é grave. 2003 será um ano de crise. Vamos arrumar a casa para criar condições de
o Brasil voltar a crescer.
Folha - Já em novembro, a equipe
do presidente eleito terá de discutir as metas do acordo com o FMI
em 2003, com possível aumento
das metas do superávit primário.
Dirceu- Já falamos que vamos fazer o superávit que for necessário.
Está lá na carta compromisso
com o povo brasileiro. Queremos
retomar o crescimento econômico. Sem isso, o Brasil não vai resolver nenhum de seus problemas. Não haverá superávit, não
haverá acordo com o FMI que resolverá os problemas do Brasil.
Basta olhar a inflação hoje, o desemprego hoje, a dívida interna. É
um problema político, não é técnico. Não é um problema de economistas. É de pactuar novamente o país. Essa é a nova visão. O
resto é decorrência disso.
Folha - Mas, num primeiro momento, o PT precisa sinalizar ao
mercado sobre o que fará para conter, por exemplo, a alta do dólar.
Tem de gerir essas expectativas.
Dirceu - O dólar vai cair. Vamos
nomear uma equipe econômica
que tem competência. E temos
como resolver isso politicamente.
No início da transição, de forma
tranquila e institucionalizada. O
envio de medidas ao Congresso
Nacional será um sinal importante para o país e para aqueles que
investem e são credores do Brasil.
Fizemos uma disputa eleitoral,
mas não a misturamos com as dificuldades econômicas do país.
Fomos solidários com o Brasil,
não com o governo. O presidente
Fernando Henrique tem consciência de que a situação é grave.
O Lula não faltou ao dever de ir
conversar com o presidente.
Quem não quer pretexto, não tem
razão em duvidar de que o PT fará
uma transição com o atual governo, se houver a boa vontade e a
disposição que acredito que há do
presidente Fernando Henrique
Cardoso, que nós vamos ajudar
ao país chegar a 1º de janeiro.
Folha - O Lula tem dito que quem
governará o país até 31 de dezembro é FHC. Mas o PT terá de assumir
responsabilidades conjuntas, não?
Dirceu- Quando o Lula nomear
a equipe de transição, depois de
conversar com FHC, vamos estabelecer, com quem for coordenador do governo e com o nosso
coordenador, as regras e a metodologia. Nós não podemos passar
a governar o Brasil.
Folha - O PT pode ocupar uma diretoria do BC como já foi oferecido
pelo ministro Pedro Malan?
Dirceu- Vamos discutir. É uma
questão em aberto. Podemos ou
não podemos. Vamos discutir.
Folha - Os tucanos estão dizendo
que podem reapresentar a proposta de salário mínimo de R$ 240 que
o PT defendeu no Congresso e que
o presidente vetou.
Dirceu- Isso é retórica. O governo não quer isso de jeito nenhum.
O Malan e o Armínio Fraga não
vão defender isso nunca. O Serra
também está defendendo a renegociação com os Estados, por
exemplo. Pergunta se o governo
concorda? É lógico que isso é retórica eleitoral. Vamos, sim, trabalhar com um aumento do salário
mínimo para 2003. Dentro do Orçamento, vamos ver o que é possível fazer. O país sabe disso. É abusar da inteligência do país alguém
achar que você pode aumentar o
salário mínimo imediatamente.
Todo ano temos de ir recuperando o poder de compra do salário
mínimo. Isso nos próximos quatro anos. É um compromisso que
assumimos. O PT não assumiu
durante a campanha compromissos irrealizáveis.
Folha - O sr. calcula que haverá
196 dos 513 deputados apoiando
Lula. É uma base muito pequena
para realizar reformas constitucionais que exigem o voto de pelo menos 308 parlamentares.
Dirceu - Quando é que nós sonhávamos que teríamos 196 deputados na nossa base? Isso é uma
maravilha. Vamos formar uma
maioria de 258 deputados e 41 senadores pelos apoios que o Lula
teve no segundo turno. Vastos setores do PMDB, do PFL e do PPB.
Vamos pactuar com a sociedade
as reformas, não só com o Congresso. O Lula vai visitar os presidentes de todos os partidos, sejam
oposição a nós ou não. Estamos
propondo uma coisa diferente
para o país. Alguém acha que o
Brasil vai sair da crise porque o PT
quer, porque o presidente da República quer? Não vai, porque a
crise é muito grave.
No final da campanha, o Serra
nos prestou um grande serviço. O
Serra, a pretexto de fazer terrorismo eleitoral, acabou mostrando
para a sociedade a gravidade da
crise. Não tirou um voto do Lula,
pelo contrário, mas deu consciência para o país que a situação realmente é grave. O país quer crescer, mas sabe que não há muita
margem de manobra.
Folha - O funcionalismo público
quer aumento e os sem-terra dizem
precisar de medidas emergenciais,
só para citar dois exemplos. Como
o PT lidará com as tensões sociais?
Dirceu- Como sempre lidamos.
O PT é um partido que sabe lidar
com conflitos, com tensão. Vamos negociar. Não controlaremos a demanda de ninguém. Os
movimentos sociais e os sindicatos têm direito de reivindicar.
Dentro das possibilidades do país,
vamos fazer uma política com relação a esses problemas. Vai ter
greve, manifestação, como teve
no governo Fernando Henrique,
no governo Itamar. O Lula tem
compromisso de negociar, de
abrir um diálogo nacional.
Folha - Um caso simbólico ocorreu no segundo semestre de 1989,
quando a então prefeita petista de
São Paulo, Luiza Erundina, apoiou
greve feita pelos servidores da cidade que comandava. Isso pode se
repetir no governo Lula?
Dirceu - O PT de 2002 não é o PT
de 1989. Todo mundo sabe disso.
Não é papel do governo apoiar
greve. Papel do governo é negociar, buscar saída para o conflito.
Quem apóia greve é partido político, quando apóia. Ou o sindicato, a sociedade. Governo não tem
de apoiar greve, tem de dar solução para os conflitos.
Folha - Alguns economistas e
analistas internacionais avaliam
que o PT deve começar o governo
com medidas mais conservadoras,
tentando ganhar a confiança do
mercado. Este poderia continuar
desconfiando das intenções do PT,
estimulando a fuga de capitais e
desestabilizando a economia. Esse
cenário, na especulação, levaria o
partido a tomar medidas radicais.
O que o sr. acha desse prognóstico?
Dirceu- Chutômetro e pessimismo. Primeiro, não vamos começar o governo com medidas conservadoras ou moderadas. Vamos começar com as medidas
que são necessárias para o país.
Folha - O PT é o partido que mais
apresentou, no Congresso, propostas de CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito), sempre consideradas desestabilizadoras pela situação. No governo, resiste a elas
como ocorreu em São Paulo e em
Santo André.
Dirceu- Não somos favoráveis a
toda CPI. Vamos analisar caso a
caso. Podemos votar contra. Não
sou obrigado a aceitar toda CPI,
mas nossos parlamentares têm
assinado CPIs contra nossos próprios governos.
Folha - A de Santo André [instalada para apurar a existência ou não
de suposta máfia da propina para
arrecadar dinheiro para o PT], com
maioria petista, prossegue há 131
dias, sem ter sido conclusiva.
Dirceu - Isso na sua avaliação e
na da Folha. A minha não é essa.
Na CPI de Santo André, somos
maioria absoluta e está funcionando.
Folha - Há 131 dias sem chegar a
nenhuma conclusão.
Dirceu- Isso é um outro problema. O inquérito já terminou e a
família [do prefeito Celso Daniel,
morto em janeiro] não aceitou e
quer outro. Isso não quer dizer
nada. Podia nem ter existido. Mas
não votamos contra.
Folha - Em seu programa, o Lula
propõe a criação de uma agência
de combate à corrupção. O sr. acha
que uma agência daria uma solução mais rápida na apuração de
suspeitas como as que surgiram em
Santo André e no Rio Grande do Sul
[suposto recebimento de dinheiro
do jogo do bicho por membros do
partido".
Dirceu - No Rio Grande do Sul,
os envolvidos foram absolvidos e
houve CPI. Tudo o que tiver de ser
feito para combater a corrupção,
vamos fazer. Esse é um compromisso claro do Lula. Não temos
rabo preso com a corrupção, que
é muito grande ainda.
Folha - O ex-secretário Klinger
Luiz de Oliveira Souza [um dos
principais acusados de irregularidades em Santo André] participou
de um ato político com o Lula há 20
dias.
Dirceu - Ele já foi condenado pela Justiça? Não. Quem está conduzindo a investigação em Santo
André são os nossos adversários.
Toda a investigação é da polícia
do governo do Estado. E não encontraram nada contra nós. Absolutamente nada. Esse exemplo
não serve para nada.
Texto Anterior: Último dia: Lula afirma que vai procurar Serra Próximo Texto: Frases Índice
|