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Na opinião de brasilianista, mercado fantasia sobre Lula
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
Wall Street continua "morando
numa fantasia" em relação à candidatura do petista Luiz Inácio
Lula da Silva, porque quer que tudo continue como está. A opinião
é de um especialista, se não em
mercados internacionais, pelo
menos em Brasil.
Trata-se do historiador e brasilianista britânico Kenneth Maxwell, um dos principais estudiosos do Brasil no exterior. Ele falou
à Folha sobre as eleições brasileiras de seu escritório no Conselho
de Relações Internacionais em
Nova York. "Os investidores internacionais fundamentalmente
acreditam que ainda estamos na
década de 90, não querem enxergar a realidade", disse ele.
Leia trechos da entrevista.
Folha - Qual a sua avaliação da
eleição brasileira até agora?
Kenneth Maxwell - É muito positiva, inclusive no aspecto técnico,
com a votação 100% eletrônica.
Isso deveria ser assunto de muito
interesse para os Estados Unidos,
em particular para a Flórida (em
2000, o Estado apresentou toda
sorte de problemas durante a votação e contagem de votos das
eleições presidenciais). Eles deveriam tomar nota de como fazer
uma eleição decente, especialmente em Miami!
Folha - E politicamente, como o
sr. avalia o processo?
Maxwell - Até agora, tem sido o
esperado. A população em geral é
mais conservadora do que os especialistas, os que fazem as avaliações, é sempre assim, em qualquer lugar do mundo. É interessante ver que os eleitores brasileiros disseram "Sim, mais ou menos" para a oposição, mas não
"Sim, completamente". Esse segundo turno é como se fosse um
"Sim, mas espere um pouco para
eu pensar melhor". É o apoio qualificado à oposição.
Folha - O sr. acha então que o candidato governista, José Serra
(PSDB), ainda tem chances?
Maxwell - Na política é sempre
impossível dizer que o fim está no
fim até chegar o momento, como
já dizia (o primeiro-ministro britânico Winston) Churchill em sua
famosa frase: "Na política, tudo
pode mudar num instante".
Nós sempre devemos nos lembrar disso. Mas em geral sempre
achei muito difícil para a situação
ganhar tanta porcentagem para
uma vitória, sem que para isso
fosse necessária uma reviravolta
que traria um monte de outros
problemas para a futura governabilidade do Brasil.
Folha - Em um artigo seu publicado recentemente pelo jornal britânico "The Financial Times", o sr.
classificou o comportamento do
mercado internacional em relação
à candidatura Lula de "realismo
fantástico". O sr. poderia explicar o
raciocínio?
Maxwell - Eu acho realmente
que Wall Street mora um pouco
numa fantasia, porque só eles ainda estão esperando uma recuperação na candidatura de Serra.
Mas o Brasil está enfrentando tantas crises no setor financeiro que
qualquer pessoa que fosse eleita
teria de pensar em nomes políticos para resolver esses problemas.
O mercado, no entanto, não está
querendo enfrentar essa possibilidade, quer que tudo fique como
está. E é claro que, se tudo ficar
como está, vamos continuar com
a crise econômica.
Folha - Então, o sr. acha que a
percepção do mercado em relação
a Lula também é fantasiosa? Ou
eles já conseguiram entender
quem é o petista de fato?
Maxwell - Os investidores internacionais fundamentalmente
acreditam que ainda estamos na
década de 90, não querem enxergar a realidade. O mundo está
mudando, e o Brasil tem de enfrentar uma situação internacional péssima, além da dívida interna, que vai ser o principal problema depois das eleições.
E o mercado ainda está pensando que pode fazer o mesmo que
fez até agora, com as mesmas políticas, num mundo totalmente
mudado. Por exemplo: se houver
mesmo uma guerra no Oriente
Médio, vai haver um surto no preço de petróleo, e isso piorará a situação brasileira, com Lula ou
sem Lula. Mesmo assim, a percepção de Wall Street será a de
que ele é culpado por isso.
Folha - O fato de ter havido um
segundo turno não serviu para que
o mercado internacional igualmente se informasse mais sobre os dois
candidatos?
Maxwell - É difícil dizer. Acho
que as mentalidades já estavam
feitas, é difícil mudá-las. Mas serviu para mostrar que os candidatos são no fim pessoas, em origem, muito mais para a centro-esquerda que para a centro-direita.
Folha - Mas o sr. havia defendido
antes que uma vitória do Lula já no
primeiro turno seria melhor para a
economia, não?
Maxwell - Na verdade, o que eu
disse é que, quanto antes acontecesse a definição de quem vai comandar o país, melhor seria para
o próprio país, pois a economia
não vai aguentar muito mais tempo. Os mercados mundiais estão
caindo, a possibilidade de uma
guerra está subindo, então é bom
que o Brasil tenha uma política
econômica definida o mais depressa possível.
Folha - Numa entrevista recente,
o economista liberal Jeffrey Sachs
repetiu que um Lula presidente enfrentaria o paradoxo de sua própria eleição. Ou seja, mesmo que
seja moderado e aja de maneira a
agradar o mercado, este não daria
tempo para que aquele se mostrasse moderado e tomaria medidas
preventivas que fariam com que
Lula, em resposta, tomasse medidas radicais. Como resolver isso?
Maxwell - Eu acho que qualquer
presidente brasileiro eleito vai
pensar em novas políticas, seja ele
radical ou não, para enfrentar esses problemas imediatos, que são
a incapacidade de pagar a dívida.
Lidar com essa hipótese como
fazem o Sachs e o (Prêmio Nobel
de economia) Joseph Stiglitz é
muito arcaico, eles ainda usam a
terminologia da época da Guerra
Fria, pensam naquelas velhas fórmulas de esquerda e direita. Isso
não ajuda muito.
Folha - E qual modelo então seria
interessante agora?
Maxwell - É necessário crescimento para resolver problemas
mais sérios do que a dívida, que
são a educação e a saúde. E para
pensar nisso é necessário pensar
em novas políticas. O agravante é
que o Brasil vai ter muito pouco
tempo para pensar nisso e, sendo
40% da economia da América Latina, terá um peso muito grande a
decisão que tomar.
Mas como esses problemas são
resolvidos? Quem sabe? Só acho
ruim fechar a possibilidade de
pensamento para as políticas possíveis, pois já está claro que as ortodoxias da esquerda e da direita
não têm grandes respostas para
esses dilemas...
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