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São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2003

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POLÍTICA EXTERNA

Pressionado por ONGs, presidente encontra cardeal e mãe de preso

Lula inclui direitos humanos em agenda e aconselha Fidel

Alan Marques/Folha Imagem
Luiz Inácio Lula da Silva e Fidel Castro em cerimônia em Havana; ao fundo, imagem de Che Guevara


KENNEDY ALENCAR
ENVIADO ESPECIAL A HAVANA

Apesar de ter dito na última quinta-feira que não trataria de direitos humanos em Cuba, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aconselhou ontem o ditador Fidel Castro, numa conversa reservada no Palácio da Revolução, a fazer uma abertura política na ilha.
Lula afirmou que mais investimentos econômicos no país estão condicionados a concessões políticas e que ele, Fidel, precisa sair do isolamento.
Num jantar anteontem no mesmo palácio, Lula deu um sinal de que falaria de direitos humanos. Ao brindar com Fidel, disse: "Hoje nós tratamos de negócios [acordos comerciais]. Amanhã vamos falar de política".
Ontem pela manhã, antes de falar com Fidel reservadamente, Lula discutiu a situação dos presos políticos com o cardeal de Havana, dom Jaime Ortega, que faz uma espécie de mediação entre o regime castrista e a oposição.
Maria Gilza Hilel dos Santos, mãe de Paulo Hilel, brasileiro preso em Cuba, também foi recebida pelo presidente brasileiro.
As conversas com o cardeal e com Maria Gilza foram na Residência de Protocolo, onde Cuba hospeda visitantes ilustres.
A Folha apurou que Lula decidiu se encontrar com um representante de peso da Igreja católica e com a mãe de Paulo Hilel para dar uma satisfação às ONGs que pediram que o presidente intercedesse junto ao governo cubano para amenizar a repressão política e para não transmitir uma imagem de conivência. No início do ano, Fidel prendeu 75 dissidentes e matou três que tentavam fugir do país num barco.
O embaixador do Brasil em Cuba, Tilden Santiago, afirmou que Lula prometeu à mãe de Paulo Hilel que "falaria com Fidel sobre o caso". Hilel está preso há nove meses sob a acusação de tentar levar ilegalmente cinco brasileiros para os EUA via Cuba.
Maria Gilza pediu a Lula que solicitasse às autoridades cubanas que marcassem logo o julgamento de seu filho, que vivia nos Estados Unidos. Paulo Hilel tem cidadania norte-americana. Diplomatas brasileiros afirmam que há escutas telefônicas incriminando Hilel, que nega as acusações.
Membros da comitiva confirmaram que Lula, desde sua passagem pelos Estados Unidos, estava decidido a dar conselhos a Fidel sobre direitos humanos. Na quinta-feira, em palestra a estudantes em Cuba, o assessor especial de Lula e frade dominicano Frei Betto deu um sinal nesse sentido: "Aos inimigos, a denúncia; aos amigos, a crítica reservada".
Lula optou por não fazer crítica pública para preservar Fidel. No jantar de anteontem, no Palácio da Revolução, fez questão de agradecer um gesto de Fidel. Contou que lhe marcou muito a visita que recebeu de Fidel em 1990. O ditador veio ao Brasil para a posse de Fernando Collor de Mello, que vencera Lula na eleição presidencial do ano anterior. Fidel depois visitou Lula. O presidente disse que só quem perde uma eleição sabe o valor de um gesto assim.

Jantar dançante
No jantar de anteontem, houve show de cantores cubanos. A cantora Omara Portuondo tirou Lula para dançar e cantar. O presidente apenas ensaiou uns passos de bolero. Fidel cantou e dançou.
Lula deu a Fidel a chave de um Fiat Palio movido a gasolina e a álcool (presente da montadora para promoção comercial). "A chave está aqui. O carro não sei quando chega!" Fidel agradeceu, dizendo: "Tenho um amigo russo que não poderia ter esse carro. Beberia todo o combustível".
Sempre chamado por Lula de "presidente" e nunca de "comandante" (o hábito em Cuba), o ditador deu ao brasileiro uma garrafa de rum. Lula lembrou que guardou com tanto carinho outro rum que ganhara de Fidel Castro que, ao abrir a garrafa, a bebida já estava estragada.
No cardápio, foie grass (patê de fígado de ganso), carne de veado, marisco, camarão e lula. De sobremesa, frutas e torta de chocolate. Havia vários tipos de bebidas, de drinques tradicionais de Cuba a cerveja.
Lula deixou o jantar por volta da meia-noite. Fidel ficou mais uma hora, assediado por empresários brasileiros, que tiraram fotos e ganharam charutos.


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