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JANIO DE FREITAS
Os modificados
A inda que ilegal -e quem
assim a definiu foi o próprio
signatário, o presidente em exercício José Alencar- a medida
provisória que autoriza o proibido plantio de soja geneticamente
modificada veio na ocasião certa.
Não foi sensata a expectativa de
que a soja pura, e comprovadamente saudável, pudesse ser defendida nestes tempos de políticos
e autoridades geneticamente modificados.
A liberação da soja adulterada,
que atende a interesses imensos
de empresas multinacionais e do
governo americano, em termos de
respeitabilidade administrativa
corresponde, no governo Lula, à
privatização no governo Fernando Henrique. Ou, o que dá no
mesmo, à entrega do Sistema de
Vigilância da Amazônia-Sivam à
multinacional Raytheon.
A prepotência da liberação, à
margem de legislação interna e de
acordos internacionais subscritos
pelo Brasil, não encontraria melhor representação do que esta
frase de Luiz Inácio Lula da Silva
em Nova York: "Zé Alencar sabe o
que fazer e vai fazer do que jeito
que tem que fazer". Interessante é
que Lula, podendo emitir a MP, a
tenha protelado até deixá-la para
o presidente em exercício. Já houve um caso assim.
Era o governo Lacerda no então
Estado da Guanabara. Construtores, incorporadores e vendedores de imóveis no Rio articularam, com políticos estaduais encabeçados por Amaral Netto e
com o governo, uma alteração
dos gabaritos urbanos, até ali limitados a oito andares, e assim
mesmo só em determinadas
áreas, para preservar a visão panorâmica. A opinião carioca via
com escândalo a proposta de mudança. Logo, Lacerda não a sancionaria. Ele, não. Deixou, enquanto viajava, para o vice Raphael de Almeida Magalhães sancionar. Não tardou a desfiguração do panorama: as belas e originais montanhas que circundam e
penetram a cidade, caso de floresta urbana única no mundo, sumiram atrás de barreiras de concreto.
Se José Alencar fez "do jeito que
tem [ou tinha] que fazer", é de
menor importância. Foram introduzidas algumas ressalvas, que
deram à ministra Marina Silva o
pretexto para esquecer o que disse
e escreveu, mas continuar ministra -porém agora integrada aos
transgênicos. Ficou proibido, sim,
o plantio da soja adulterada em
áreas indígenas e de preservação
ambiental. E quem pensaria em
fazer plantio de soja, que é necessariamente em planos e muito extensivo, nas matas de índios ou
em ambientes especiais?
Não é menos ilusória a liberação restringida à safra 2003/ 2004.
A liberação anterior, feita por Lula contra a lei, acordos e sentenças, também seria a única, e só
porque a soja marota já fora
plantada, era fato consumado.
Um fato consumado contra a lei
que não foi punido, foi premiado.
Agora, a nova liberação já autoriza o plantio a ser feito. Fica claro
que a atual MP é só outro degrau,
para chegar à liberação permanente quando as reações arrefeçam.
Além da proibição legal, o plantio da soja transgênica está vedado, no Brasil, por duas decisões
judiciais. E uma das premissas essenciais do regime democrático,
com sua típica independência dos
três Poderes, é que o Executivo
(governo, pois) não aja, a não ser
por meio judicial, para contrariar
ou invalidar decisão do Judiciário. Há mais de meio século esse
preceito ficou protegido até em
lei, contra qualquer subterfúgio.
Por falar nisso, o argumento de
que os agricultores gaúchos plantaram a soja proibida em atitude
de desobediência civil é, mais do
subterfúgio, cinismo. Por que o
plantio de maconha, igualmente
posto sob proibição legal e pelos
mesmos critérios de proteção da
sociedade, não seria desobediência civil, em vez de resultar em
prisão?
São conhecidos efeitos nocivos
da soja transgênica em parte da
fauna e ainda não avaliados os
efeitos no organismo humano.
Como nem todos viviam de bravatas até alcançar o poder e nem
só de transgênicos se fazem as autoridades, estão previstas reações
de desembargadores, juízes e procuradores da República aos efeitos, já tão conhecidos e experimentados, de ações governamentais que confrontam leis e decisões
judiciais.
Até lá, vamos rir com a história
de que foi por "erro de e-mail", no
Planalto, a publicação no Diário
Oficial da MP recusada por José
Alencar, e não a que ele enfim assinou. É tudo muito transgênico
neste governo.
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