|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIGAÇÕES PERIGOSAS
Auditores da Corregedoria da Receita Federal apreendem correspondência eletrônica que reaviva caso
Em carta, EJ conta como "protegeu" as suas empresas
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Documentos apreendidos por
auditores da Receita Federal em
escritórios de Brasília, Porto Alegre e Rio de Janeiro expõem detalhes da tática adotada por Eduardo Jorge Caldas Pereira para
"proteger" os seus negócios da
curiosidade do Fisco e do Ministério Público.
Há dois meses, numa mensagem eletrônica enviada a seus sócios, Eduardo Jorge anotou que
"os procedimentos de isolamento" implementados três anos
atrás "já não fazem sentido".
Investigado desde 2000 por suposto enriquecimento ilícito, falava da "perspectiva de solução final" da "crise". Nada havia sido
comprovado.
Quando escreveu aos sócios, às
11h30 do último dia 29 de julho, o
ex-secretário-geral da Presidência
da República (gestão FHC) não
imaginava o que ocorreria dali a
39 dias. Apreendido por auditores
da Corregedoria da Receita, o texto de seu e-mail reavivou o chamado caso EJ, uma tormenta que
supunha encerrada.
Na última segunda-feira, em
ofício à Justiça, o Fisco informou
ter enxergado na correspondência eletrônica do ex-secretário-geral "indício de fraude contábil e
fiscal". Na correspondência eletrônica retida pela Receita, Eduardo Jorge menciona empresas até
então desconhecidas dos investigadores. Fala de acordos negociais. Sugere a elaboração de contrato informal. Discorre sobre
"dívidas" e "créditos".
Eduardo Jorge reage com indignação à nova investida do Fisco:
"Trata-se de uma armação. Estão
procurando chifre em cabeça de
jumento". Seu calvário recomeçou na noite do dia 27 de agosto.
"Pressões"
Em depoimento à Corregedoria
da Receita, o auditor Ruben de
Seixas Neto denunciou supostas
pressões que teria recebido da cúpula da Receita para "concluir rapidamente e sem resultados" uma
fiscalização sobre EJ.
Seixas Neto repetiu a acusação
perante o Ministério Público. Foi
imitado pela auditora Rosa de
Oliveira, sua parceira na fiscalização. Conforme revelou a Folha na
edição do sábado passado, documentos internos da Receita põem
em xeque a imputação dos fiscais.
As alegadas "pressões" seguem
pendentes de comprovação. O
que não impediu a Corregedoria
da Receita de realizar, em 5 de setembro, diligência para confiscar
papéis nos escritórios de empresas que têm EJ como cotista.
Foi nessa operação que o e-mail
de EJ foi apreendido, junto com
papéis que recheiam mais de cem
caixas. Encontram-se lacradas em
Brasília, por ordem judicial resultante de ação movida por advogado das empresas.
Antes que a ordem chegasse aos
escritórios da Receita, uma equipe de auditores pôde analisar o
conteúdo de duas caixas. Além da
mensagem eletrônica, manusearam-se outras duas correspondências de EJ.
Ambas foram endereçadas aos
sócios dele no Grupo Meta, composto de duas firmas -a Metaplan, de planejamento empresarial, e a Metacor (seguros).
Em uma das correspondências,
de 30 de agosto de 2000, EJ formaliza o seu "afastamento" do conselho consultivo do Grupo Meta.
Alega que o "intenso processo de
denúncias" a que vinha sendo
submetido o forçava a dedicar-se
exclusivamente à sua defesa. A
fiscalização do Fisco fora iniciada
em 4 de agosto de 2000.
Na outra correspondência, de 4
de setembro de 2000, EJ formaliza
os "acordos verbais" que celebrara com os sócios Ivan Carlos Machado de Aragão, Eduardo São
Clemente D'Azevedo Neto e
Cláudio Haidamus. O documento
informa o seguinte:
1) em 1º de abril de 1999, EJ recebeu "gratuitamente" 10% das cotas da Metaplan e da Metacor. Ganhou naquele mesmo ano R$ 352
mil em dividendos;
2) no primeiro semestre de
2000, quando "foram distribuídos
lucros referentes aos terceiro e
quarto trimestres de 99", EJ recebeu mais R$ 903.723,88. Importância que excedia ao que lhe caberia de acordo com sua participação acionária, classificada no
documento como uma "distribuição de lucros desproporcionais";
3) em julho de 2000, EJ recebeu
novos dividendos: R$ 28.728,34;
4) Afora a distribuição de lucros, a Meta pagou a EJ em 99
mais R$ 160 mil. São honorários
por serviços que, segundo o texto
da carta, foram prestados por
uma consultoria de sua propriedade, a EPJ;
5) EJ assumiu com os sócios o
compromisso de "compensar" os
R$ 903,7 mil auferidos na "distribuição de lucros desproporcionais" em partilhas futuras de lucros. Algo que não ocorreu até
hoje;
6) a carta de EJ converteu-se numa espécie de contrato. Foi assinada pelos demais sócios. O espaço reservado à assinatura de
Eduardo São Clemente D'Azevedo ficou em branco. O sócio não
rubricou o papel.
"Acerto do passado"
Dos três documentos apreendidos pela Receita, o que mais chamou a atenção dos auditores foi o
e-mail datado de 29 de julho deste
ano. Na mensagem eletrônica, EJ
busca repactuar as condições expostas nas duas correspondências
que o Fisco apreendeu e que datam de 2000.
No e-mail, EJ chama a repactuação de "encaminhamento de
acerto do passado". Foi discutida
em reunião com os sócios, conforme explicitado no cabeçalho:
"itens para pauta de nossa reunião de hoje", 29 de julho de 2003.
"O que fazer com o documento
assinado, lá atrás, e que se destinava a proteger a Meta de especulações?", indaga EJ no texto da
mensagem eletrônica. "Como eliminá-lo? É necessário o distrato.
ESC [Eduardo São Clemente, o
sócio que não assinou o acordo],
como um dos signatários (e detentor de uma cópia), deve participar desse eventual distrato ou
basta rasgarmos o documento?
Como e quando fazê-lo?"
A correspondência eletrônica
de EJ menciona também a necessidade de promover o "descruzamento" entre o Grupo Meta e
uma firma desconhecida do Fisco. Chama-se Alleanza. Foi aberta
no calor das investigações do caso
EJ. Recebeu do Grupo Meta parte
da carteira de clientes de seguros.
Embora não seja sócio da
Alleanza, EJ é de fato o único responsável pelo faturamento da
empresa. Ele diz no e-mail: "Se se
considerar que praticamente
100% da receita da Alleanza é proveniente de clientes suportados
por mim, eu acharia, em princípio, que deveríamos achar uma
forma de equilibrar as coisas."
O ex-secretário cita ainda na
mensagem digital outra firma ignorada pelo Fisco, a VML. Sobre
essa empresa, ele diz no texto:
"Não estaria na hora de formalizar as participações [na VML]?
Seja no próprio contrato social ou
-se se julgar que ainda existem
riscos- num contrato entre
nós?" Para o Fisco, trata-se de
contrato de gaveta.
De novo, EJ não compõe o quadro de sócios da VML, outra firma de seguros. Mas fala aos sócios
como se tivesse participação ativa. Menciona até mesmo negócios em andamento.
Leia as cartas de EJ e o relatório da Receita na
www.folha.com.br/032691
Texto Anterior: Elio Gaspari: O anjo do doutor Alceu vai morar nas livrarias Próximo Texto: Auditores vêem indícios de uma fraude contábil Índice
|