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Ajuste compromete "espetáculo"
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Depois do sucesso em debelar o
pior da crise financeira iniciada
no ano passado, o governo Luiz
Inácio Lula da Silva começa a ensaiar a sua agenda desenvolvimentista. No entanto, a fragilidade da economia do país permanece e indica que os tempos de aperto fiscal e monetário estão longe
de acabar.
Para consumo público, divulga-se que os ajustes foram concluídos no primeiro semestre -em
julho, anuncia o presidente, começa o tão falado "espetáculo do
crescimento". Na leitura fria das
opções da equipe econômica, a
conclusão é diferente.
Embora as altas taxas de juros
ocupem o centro do debate sobre
a ortodoxia abraçada por Lula, a
atuação mais agressiva do governo está em outro terreno: o do
controle dos gastos públicos.
O ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) elevou a meta de
superávit primário (a economia
de receitas destinada a pagar os
juros da dívida) de 3,75% para
4,25% do PIB (Produto Interno
Bruto). E se comprometeu a manter esse patamar mínimo ao longo
de todo o mandato de Lula.
Mais: está previsto que, em caso
de qualquer acidente de percurso,
como uma turbulência externa
capaz de elevar as cotações do dólar ou um repique da inflação, o
superávit subirá ainda mais.
Tal estratégia, que será um limitador permanente do papel do Estado nas ações voltadas para estimular o crescimento, parte da
avaliação segundo a qual o governo corre o risco de ficar inviabilizado se perder o controle sobre a
dívida pública -que, apesar de
todo o esforço, deverá permanecer em patamar acima dos 50%
do PIB nos anos Lula.
Na área monetária, mais sensível politicamente, o governo até
se permitiu alguma folga. Já praticamente admitiu que não cumprirá a meta de inflação de 8,5%
deste ano e adicionou uma margem de tolerância de 2,5 pontos
percentuais sobre a meta de 2004,
fixada em 5,5%.
Graças a isso, pôde promover
em junho a primeira redução dos
juros na administração Lula, de
26,5% para 26%, e pode se aventurar a prever novas quedas da taxa nos próximos meses.
Trata-se, porém, de um alívio
apenas aparente. Descontada a
expectativa de inflação futura, os
juros reais ainda não interromperam a trajetória de alta iniciada
pelo BC após a eleição de Lula.
Há uma lista de obstáculos a serem superados antes de uma baixa real e definitiva dos juros: a
aprovação definitiva das reformas, a volta dos investimentos externos ao país, sustos como o recente reajuste das tarifas de telefonia e, principalmente, a estabilização da inflação -apesar de afastados os temores de descontrole,
as projeções para 2004 ainda estão
acima da meta.
Contra taxas reais próximas de
17% ao ano, como as de hoje, pouco podem fazer medidas como o
estímulo ao microcrédito e à agricultura familiar, anunciadas recentemente como o início da era
de bonança.
A grande incógnita econômica
de Lula é a definição de uma política industrial, compromisso que
rendeu ao PT a simpatia de parte
do empresariado na campanha
eleitoral e deveria marcar a ruptura com a linha liberal de FHC.
Em seis meses de discussões, o
governo não conseguiu produzir
mais do que um documento genérico de apenas seis páginas, cujo anúncio mereceu a presença de
quatro ministros: Palocci, José
Dirceu (Casa Civil), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) e
Guido Mantega (Planejamento).
O documento pouco avança
além do que já estava previsto no
programa de governo de Lula:
uma política industrial diferente
dos moldes do passado, sem subsídios indiscriminados e com custos e metas transparentes para a
sociedade.
Não se sabe quanto poderá ser
gasto nesse tipo de política, que
setores serão escolhidos nem que
metas serão exigidos. Os detalhes
foram prometidos para julho.
O atraso é reflexo de divergências internas na área econômica.
Na Fazenda, a ala liberal da equipe vê com reservas uma política
intervencionista voltada para a
produção de superávits comerciais. No Planejamento e no Desenvolvimento, a preocupação é
com os efeitos negativos da queda
do dólar sobre as exportações.
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