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São Paulo, domingo, 29 de junho de 2003

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ELIO GASPARI

A taxa de desemprego gerou um desempregado

O governador Geraldo Alckmin conseguiu uma proeza: acertou a testa do diretor de uma das grandes instituições do serviço público paulista, a Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados), descendente de um serviço criado em 1892. Provocou a demissão de seu diretor, o professor José Eli da Veiga.
No início do mês, o professor publicou um artigo condenando o hábito de somar dois itens da taxa de desemprego que a Seade e o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) divulgam a cada mês. Essa pesquisa, criada pelo Dieese, produz dois grandes percentuais. Um é o do desemprego aberto (o cidadão que não tem trabalho e está procurando, como a turma que foi para o sambódromo). Em abril, ele ficou em 13,6% na região metropolitana de São Paulo. O outro é o desemprego oculto (a pessoa que tenta ser gari, mas fez um bico). Esse índice ficou em 7,1%.
Segundo o professor Eli, a Organização Internacional do Trabalho e todos os serviços estatísticos do mundo, esses dois percentuais, ricos em significado, não devem ser somados. A adição gera o que ele chamou de "vírus alarmista". No caso, a taxa paulista estaria em 20,7%, cerca de 2 milhões de pessoas. Eli acha que a operação é "burra". Vale informar que o signatário já fez essa soma várias vezes. Promete não fazer mais. Os argumentos do professor são convincentes.
O tucano Alckmin ficou com o Dieese.
Seja qual for o partido que se tome, o número de desempregados no Brasil continua o mesmo. Segundo o IBGE, nas seis maiores regiões metropolitanas, ele equivale a 12,8% da população ativa, ou 2,7 milhões de pessoas. O instituto não soma modalidades de desocupação.
Quem quiser pode somar, mas não deve fazer comparações. Se a pesquisa Seade-Dieese diz que a taxa total de desemprego em São Paulo é de 20,7%, pode-se entender que equivale a mais do dobro da européia (8,7%). Falso. Como o Eurostat não faz a soma, os 8,7% deveriam ser comparados aos 13,6% do desemprego aberto paulista.
O professor Eli acusa a existência de "uma aliança entre o movimento sindical e o governo de São Paulo para bater no governo federal". O tucanato, que já sofreu as dores da soma, quer que o PT seja obrigado a beber a mesma poção amarga.
O estudioso de emprego que ficou desempregado lembra que, durante a crise com o Dieese, ouviu várias vezes, no Palácio dos Bandeirantes, que "o seu raciocínio é impecável, mas politicamente incorreto". Devia dar nome aos bois.

Entrevista:

Sargento Salles

(Sérgio de Oliveira Salles, 50 anos, segundo sargento da PM do Rio)

- O que é que o senhor estava dizendo às pessoas socadas atrás da paliçada do sambódromo na segunda-feira? Eram 20 mil cidadãos, cujos nomes começavam com as letras A e B, batalhando por um cadastro numa empresa que contrata garis. Algumas delas estavam na fila havia mais de 48 horas.
- Eu estava pedindo que se acalmassem. Se eles perdessem a calma, seria pior só para eles. Minha preocupação era que o desespero os descontrolasse. Aquelas pessoas não estavam aborrecidas, não estavam nervosas. Estavam desesperadas. Eu tenho 25 anos de polícia e 25 anos de rua. Gosto de trabalhar na rua e sei a diferença entre o nervoso e o desesperado. Quando um sujeito está aborrecido, aborrece os outros. O nervoso faz coisas para prejudicar, como dar socos na carroceria de um carro. O desesperado é diferente. Ele precisa de ajuda. Parece nervoso, pode parecer aborrecido, mas o seu comportamento reflete o desespero de não receber a ajuda de que precisa. Ali tinha gente que chegou ao sambódromo dois dias antes, deixando filhos na casa dos outros.
- Alguém o xingou?
- Teve um grupinho. Infelizmente a minha profissão anda malvista pela sociedade. Teve gente que disse que a polícia deveria estar no morro pegando bandido, que ali só tinha trabalhador. Era o desespero. Ali só tinha gente de bem, e eu tinha que tratá-los como cidadãos de bem. Já servi no Batalhão de Choque, já vi muito movimento grevista e muita passeata. Aquilo que eu vi no sambódromo na segunda-feira foi o que mais me marcou. Não era gente querendo aumento, reivindicando alguma coisa. Eram brasileiros querendo trabalho para comprar o pão de cada dia, que está faltando em suas casas. Eu dei a volta em todo o sambódromo. A minha profissão exige que deixe a emoção de lado. Houve senhoras que me pararam, contando seus casos. Eu ouvia e não tinha nada a oferecer. Nada a dizer. Houve uma hora em que chorei. Mais tarde, contando o episódio, voltei a chorar. Nunca vi coisa igual e espero não voltar a ver.
- O senhor tem desempregados na família?
- Graças a Deus, não. Minha filha de 22 anos, Roberta Cristina, é professora e está na quinto período de pedagogia. Meus cinco irmãos e seus seis filhos estão empregados. Todos têm sua casa. Eu tenho a minha, em Itaguaí, onde vivo feliz há 25 anos com minha mulher, Célia Cristina. Não há um dia da minha vida e dos meus irmãos que não tenha sido feito com trabalho, correção e respeito à lei. Lembro muito bem quando nossos pais se separaram. Meu pai foi para um lado, e minha mãe, para outro. Ficamos praticamente largados ao léu. Eu tinha 16 anos e era o mais velho. Cuidei de todos.

A crise fala

Napoleão não foi à China, Oswaldo Cruz (1872-1917) não "criou a vacina da febre amarela para salvar a humanidade" nem Lula quer afrontar o Congresso e o Judiciário.
O presidente não pretende parar de falar. Isso porque, como ele já explicou: "Alguém vai ter que salvar este país". Em 1994, Lula disse o seguinte em Concórdia (SC): "Pelo amor de Deus, não esperem um salvador da pátria". Ou mudou de idéia ou acha que Oswaldo Cruz ressuscitará.

Castas postais

A agência central da Empresa de Correios de Londrina trabalha com um sistema de castas postais. Dá senhas diferenciadas para quem vai usar os serviços de Sedex e do Banco Postal e para a escumalha irritante que vai lá para botar carta no Correio. Essa gente é chamada de "outros usuários". A velocidade de atendimento varia para cada grupo. O Sedex é coisa de quem está com pressa, mas o Banco Postal é uma subsidiária do Bradesco. Se a ECT quer privatizar suas sedes e seu funcionalismo, tudo bem, mas não precisa maltratar quem acredita que ela é uma empresa de Correios.

Andrea Matarazzo disputará o Senato

O ex-ministro Andrea Matarazzo será candidato a "senatore". Enquanto os americanos falam em globalizar mercados, os italianos globalizam sua civilização. Se um bisneto de italiano nasce em Nairóbi, em São Paulo ou em Florença, a diferença é mínima: ele pode receber o passaporte de cidadão italiano. Matarazzo nasceu em São Paulo e será candidato a senador na eleição italiana de 2006.
O eterno Império Romano dividiu o mundo em quatro distritos: Europa, América do Sul, América do Norte e África, Ásia e Oceania. Neles serão eleitos seis senadores e 12 deputados. Com um milhão de italianos (o maior colégio depois da Europa), a América do Sul poderá eleger dois senadores e quatro deputados. Como a Argentina tem 500 mil eleitores e o Brasil tem 300 mil, Andrea Matarazzo, disputará a segunda cadeira.
Eleito, sentará no mesmo plenário onde esteve, como senador do Reino, o seu bisavô do mesmo nome. Ironias da vida, um Matarazzo poderá vir a ser senador na Itália ao mesmo tempo em que outro brasileiro, Caio Koch-Weser, é vice-ministro das Finanças na Alemanha. Ele nasceu em Rolândia, no Paraná.

Petrobras x Halliburton, uma boa briga

Começou em grande estilo a briga da Petrobras com a empreiteira americana Halliburton, donatária de um pedaço do Iraque, que teve como principal executivo o vice-presidente Richard Chenney. As duas empresas se desentenderam por causa da construção de dois navios de produção de petróleo. Esse tipo de barco recebe o óleo dos poços de alto-mar e os armazena até transferi-los para os petroleiros. Os dois navios, com os nomes de P-43 e P-48, irão para os campos de Barracuda e Caratinga, a cerca de 100 quilômetros do litoral norte fluminense. Deu-se a velha história: o empreiteiro estourou o prazo (em um ano e meio) e quer mais preço (US$ 375 milhões). Argumenta que a Petrobras alterou o projeto.
A Petrobras e a Halliburton concordaram em levar o caso a uma corte internacional de arbitragem. As duas empresas divulgaram essa informação. Ambas disseram que a Petrobras admite pagar US$ 59 milhões e que a Halliburton quer mais US$ 375 milhões. Ficou subentendido o perdão de um atraso de uns três meses.
O entendimento acabou aí. A Petrobras informou que quer receber US$ 380 milhões da empreiteira, principalmente por causa dos atrasos. Em seu comunicado, a Halliburton omitiu esse pleito da Petrobras. Mais: sugeriu que o atraso foi negociado. Seu presidente, David Lesar, informou: "Estou satisfeito com os resultados positivos de nossas recentes negociações com a Petrobras". O presidente da Petrobras, José Eduardo Dutra, reitera: "O acordo assinado com a Halliburton inclui, explicitamente, o nosso pleito de US$ 380 milhões, resultante principalmente dos atrasos".
Coisas do colonialismo financeiro: no dia 20, as duas empresas divulgaram seus comunicados. Todos os grandes serviços noticiosos, assim como boas publicações do mercado, valeram-se apenas do texto da Halliburton. Pena para os acionistas da empresa, porque ficou faltando um contencioso de US$ 380 milhões.

Casca de banana

Ao demitir o auditor fiscal Deomar de Moraes do cargo de coordenador-geral de Pesquisa e Investigação da Receita Federal, o secretário Jorge Rachid atravessou a rua para escorregar na casca de banana que estava na outra calçada.
Deomar investigava poderosos e afortunados colegas. Não fica bem para o secretário e para o ministro da Fazenda que o investigador-chefe do Leão seja o primeiro alto funcionário demitido num governo que ainda não completou um ano. O doutor Antonio Palocci Filho teve Deomar na sua lista de possíveis convidados para a Secretaria. (Chegou a consultar pessoas.) Os grão-petistas que defendiam sua indicação estão sentindo na boca o gosto amargo do poder.

Tarifa inva$ão

Há cerca de 30 propriedades rurais invadidas na Zona da Mata de Pernambuco. Pode-se estimar que metade delas estejam ocupadas no interesse de seus donos, de olho na indenização que tomarão à pobre da Viúva.
Nessa região já teve até fila de fazendeiros pedindo que suas terras sejam invadidas.


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