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JANIO DE FREITAS
Do morro ao quartel
A "volta" é uma das chaves para a correta narrativa do episódio da morte dos três rapazes da Providência
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AS DUAS SÉRIES de contradições,
em depoimentos diferentes,
do tenente responsável pelo
caso no morro da Providência forçam a polícia e o Exército a pôr em
suspenso a versão, aceita por ambos,
para o episódio. Antes de tudo, porque as variadas narrativas para os
mesmos pormenores sujeitam o restante, na conveniente versão inicial,
a igual descrédito. Além disso, porque as contradições do tenente Vinicius Ghidetti proporcionaram, à sua revelia, indícios mais verossímeis.
O mais importante deles: apareceu a primeira referência a um tiro e
a seu autor no grupo de militares. Ao
alegar na nova versão o ataque de
um grupo de moradores aos 11 militares, o tenente disse haver dispersado os agressores com um tiro para o
alto. Até então, em sua narrativa não
houvera agressões, nem moradores
tentaram defender um revistado por
suspeita de posse de droga ou arma.
Apenas ocorrera desacato dos três
rapazes, que voltavam de uma festa,
e por isso a sua prisão e entrega a
bandidos para "um castigo".
A primeira referência a tiro tem
implicação maior que a de incômoda
contradição. As armas dos 11 militares não foram recolhidas à parte em
sua volta ao quartel, prática que deveria ser norma há muito tempo no
Brasil de tantos tiroteios fatais e vítimas inocentes. Também não foi dada notícia de exame dos projéteis
alojados nos corpos, indicadores do
tipo de armamento e de outros dados sugestivos. Ou seja, a partir da
conduta no quartel, tudo se desenvolveu erradamente, para a apuração dos limites de responsabilidade,
e corretamente para a conveniência
dos implicados e para a praxe militar
de encobrir e salvaguardar os maus
atos em seu meio.
Apesar disso, as contradições do
tenente Ghidetti e o seu confessado
tiro não eliminam a imediata lembrança que fazem de dois fatos deixados à margem. Um, é a distribuição de tiros: 26 em um dos rapazes,
19 em outro e apenas um no terceiro.
Faz pensar, ao menos, na hipótese
de uma ordem: morto o primeiro
com um tiro, seja lá pelo que for, seguiu-se a criação de uma carnificina
para mudar o enredo. O outro fato
que a menção a tiro faz lembrar é a
cena, narrada por uma das mães, de
seu filho "caído ensanguentado" no
quartel para onde o tenente Ghidetti
levou os seus presos.
Não é menos curiosa, como desdobramento, a consulta do tenente
(ainda no morro) a um capitão (no
quartel), sobre o destino a ser dado
aos rapazes e, em seguida, a desobediência à ordem de deixá-los no
morro. Presos de um grupo que atacara os militares não sugerem consulta prévia para serem levados à
prisão, até pela obviedade do que deve ocorrer a quem ataca sem motivo
uma patrulha. E por que a preferência do tenente por desobedecer a ordem e levar os três para o quartel onde um deles, segundo sua mãe, foi
visto "ensanguentado"?
Ou a disciplina está fraquejando
no Exército, ou há mais a ser apurado nos contatos entre o capitão
Leandro Ferrari e o tenente Ghidetti. Depois da desobediência que levou os rapazes para o quartel, o tenente, dizem os depoimentos, já estava instalado no caminhão quando
recebeu nova ordem do capitão, para
não "dar uma volta", como queria,
com os presos. Mas, ao voltar, não
recebeu represália alguma pelas seguidas desobediências, sendo afastado só depois de conhecido o assassinato dos seus presos.
A polícia já deduziu, ao menos,
que o capitão Ferreira está sujeito a
indiciamento, pela estranha atitude
de não impedir a saída do tenente,
depois da alegada proibição, para a
tal "volta com os presos". A "volta"
que é uma das chaves para a correta
narrativa do episódio.
Noticia-se que a promotora Hevelize Covas, da Justiça Militar, não
pretende reconstituição no morro
da Providência, por considerar que a
saída do Exército tornou a área perigosa. Mas quer fazê-la no morro da
Mineira, onde os três rapazes teriam
sido entregues a bandidos. Nesse caso, o perigo de um morro é ameaçador, e o perigo maior do outro não é.
Reconstituição na Mineira? Se de
verdade, é impossível. Os inquéritos
não sabem nem onde foram os assassinatos, quanto mais como foram, para serem reconstituídos.
O perigo agora é outro. É a fácil solução de pegar uns dois ou três para
bodes expiatórios -de preferência
mortos, para que não revelem mais
tarde os horrores até que se dissessem assassinos dos três rapazes.
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