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QUESTÃO AGRÁRIA
Sindicato diz que lista oficial contabiliza mais de 30 defuntos
Estatística de assentados inclui sem-terra já mortos
EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA
RUBENS VALENTE
DO PAINEL
O governo federal contou como
"assentados" trabalhadores rurais que já estavam mortos havia
anos. Eles chegaram às terras ainda na década de 80, trazidos pelo
regime militar, mas passaram a
integrar as estatísticas da reforma
agrária do governo Fernando
Henrique Cardoso, que diz ter assentado cerca de 588 mil famílias
entre 1995 e 2001.
A reportagem confrontou as listas em que constam nomes e
CPFs dos agricultores dos dois
maiores assentamentos contabilizados pelo governo FHC (um no
Amazonas e outro no Acre) com
informações obtidas em cartórios
de registro de óbitos e sindicatos
rurais. Os documentos indicam
que houve contagem de mortos.
As listas dos assentados integram a auditoria ordenada em
abril passado pelo ministro do
Desenvolvimento Agrário, José
Abrão, depois de uma série de reportagens da Folha ter indicado
que o governo inflou os balanços
da reforma agrária com terrenos
vazios e áreas sem casas e infra-estrutura (água tratada, energia
elétrica e rede de esgoto).
"Eu nunca poderia imaginar
que meu pai seria incluído em
uma lista de assentados depois de
tanto tempo de sua morte. A nossa família abandonou o lote há
seis anos, e nós nunca mais recebemos créditos do governo", declarou Adelar Jesus de Alcanter,
30, filho de Valeriano Jesus de Alcanter, morto em 1992 e incluído
na lista de novos assentados sete
anos depois pelo governo federal.
O governo diz ter assentado
5.329 famílias (em 1999) no Rio
Juma e outras 6.407 no Pedro Peixoto (4.812, em 2000, e 1.595, em
1997). Entre os "assentados" no
Rio Juma está Valeriano Jesus de
Alcanter, pai de Adelar.
Essas famílias chegaram ao
Acre e ao Amazonas no início dos
anos 80, época em que o regime
militar criou uma série de projetos de colonização na região Norte. O atual governo federal considerou esses assentamentos como
"criados" na era FHC.
Com a lista dos assentados em
mãos, os presidentes dos sindicatos de trabalhadores rurais de
Apuí (AM) e Senador Guiomard
(AC) informaram que "passa de
30" o número de trabalhadores
que morreram antes de terem sido "assentados" pelo governo federal nos projetos Rio Juma e Pedro Peixoto, respectivamente.
A maioria dos trabalhadores rurais apontados como mortos é
oriunda de diversos municípios
do Sul do país -onde seus corpos foram enterrados e seus óbitos, registrados. A Folha teve
acesso aos atestados de alguns dos
citados pelo sindicato de Apuí.
Atestados de óbito
No cartório do município amazonense estão registrados os óbitos de Valeriano Jesus de Alcanter, Valacir de Oliveira Campos,
Sebastião de Souza e José Honório Sobrinho -mortos em 92, 96,
97 e 98, respectivamente. O governo diz tê-los assentado em 99.
Eles chegaram a Apuí por volta
de 83, quando o projeto de assentamento foi criado pelo regime
militar. Com o tempo e por causa
das constantes epidemias de malária, muitos trabalhadores rurais
abandonaram seus lotes e voltaram para suas cidades de origem.
Documentos do ministério
apontam que o governo tinha conhecimento de que três, desses
quatro agricultores, estavam
mortos. Mesmo assim, passaram
a ser considerados "assentados"
no balanço de 99, divulgado à
época para toda a imprensa.
Segundo a ficha de Valeriano Jesus de Alcanter no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), ele recebeu os
primeiros créditos do governo
(ainda no governo do general
João Figueiredo) em 2 de setembro de 83. Os últimos recursos
chegaram em novembro de 84.
O ministério informou que a
viúva de Valeriano, Terezinha,
também é assentada. Mas o filho
do casal, Adelar, contou que toda
a família mora há seis anos no
centro de Apuí, e não no assentamento. Deixaram o lote quatro
anos após a morte de Valeriano.
A ficha do agricultor José Honório Sobrinho relata que ele foi "assentado" em 18 de março de 99.
Mas, segundo registro no cartório, ele morreu no ano anterior. A
ficha de Valacir aponta que ele já
estava assentado em 2 de setembro de 94 e morreu em 26 de agosto de 96. No entanto, Valacir passou a ser contado como "assentado" em 99, segundo o balanço oficial da auditoria do ministério.
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