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DINHEIRO PÚBLICO
Atual legislação permite que poder público escolha entidade a ser beneficiada sem justificativa
Procurador vê lacuna em leis sobre verbas destinadas a ONGs
ANDRÉ SOLIANI
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A falta de uma legislação com
critérios objetivos para a escolha
das ONGs que recebem dinheiro
público abre espaço para o governo favorecer aliados, sem precisar
fazer prestação de contas à sociedade. A opinião é do procurador-geral do Ministério Público no
TCU (Tribunal de Contas da
União), Lucas Furtado.
Em entrevista concedida à Folha, o procurador disse que o governo deveria se preocupar em
criar uma legislação para evitar
que o dinheiro público seja repassado a instituições que não estão
sujeitas a nenhum tipo de fiscalização e controle.
Segundo ele, de acordo com a
atual legislação, o poder público
não precisa justificar por que uma
determinada entidade foi beneficiada com recursos orçamentários e outra não.
Em casos como o da Ágora, Furtado só encontra uma razão para
a escolha de determinada instituição: "Porque quem estava do lado
de cá do poder público quis que
fosse a Ágora".
Segundo o procurador, sem a
existência de critérios objetivos, é
impossível responder tecnicamente por que uma instituição foi
escolhida.
De acordo com o Ministério Público, a Ágora desviou cerca de R$
900 mil em dinheiro recebido do
governo federal para ser aplicado
em cursos de qualificação de trabalhadores. A ONG é presidida
por Mauro Farias Dutra, amigo
pessoal do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
Na última quinta-feira, o Ministério Público decidiu pedir a extinção da Ágora.
Folha - Quais são os critérios que
o governo precisa seguir para contratar uma ONG?
Lucas Furtado - Quando se parte
para a celebração de um convênio
não há critério. Por que a Ágora
ou qualquer outra entidade que
recebeu dinheiro do FAT [Fundo
de Amparo ao Trabalhador] para
o Primeiro Emprego foram escolhidas? Eu não sei.
Folha - Como se pode corrigir esse
problema?
Furtado - Isso não é uma irregularidade. É preciso uma mudança
de legislação.
Folha - A idéia então é criar uma
espécie de licitação para o estabelecimento de convênios?
Furtado - Não precisaria ser algo
tão formal, no sentido de ganhar
aquela que oferece o menor preço. Se o governo precisa de uma
entidade privada para desenvolver um programa, como o Primeiro Emprego, que dê publicidade, que permita que outras entidades também possam apresentar propostas.
Isso não é culpa do governo Lula. Convênio, contrato de gestão e
termos de parceria existem há
muito tempo. O grande problema
é que, de alguns anos para cá, o
volume de recursos que está sendo repassado para as ONGs cresceu.
Folha - O senhor defende que o
Planalto tome a iniciativa e elabore
um projeto de lei para corrigir o
problema?
Furtado - Ou pelo menos abra a
discussão. Talvez não um projeto
de lei, que pressupõe ter um critério de escolha.
Folha - Devido à falta de critérios,
não se abre a possibilidade de os
convênios serem usados para favorecer aliados ou fazer caixa de campanha?
Furtado - Não só para o financiamento de campanhas, mas para o próprio favorecimento. Por
exemplo: foi escolhida [para fazer
as campanhas publicitárias do governo] a empresa de comunicação do Duda Mendonça, que fez a
campanha do presidente Lula à
Presidência da República [em
2002]. Caso o Palácio queira acabar com a discussão, ele mostra
que fez uma licitação.
Um processo objetivo legitima a
escolha da entidade e serve até de
amparo para o governante, que
pode dizer que a entidade passou
por um processo de seleção. É o
momento de parar e discutir isso.
Hoje, no Brasil, não há nenhum
critério que defina qual entidade
vai receber R$ 7,5 milhões, como
é o caso da Ágora.
Folha - Ou seja, a autoridade pública tem o poder de escolher quem
ela quer para celebrar um convênio?
Furtado - Quem ela quer que receba os recursos, sem dar satisfação a quem quer que seja. Um dos
pontos do pedido de auditoria da
Ágora ao TCU é: "Por que a Ágora
foi escolhida?" Não há como responder a essa pergunta. Pergunta-se também se a Ágora tem condições técnicas de fazer o programa. Nesse caso há condições técnicas de fazer a avaliação. Mas
responder por que a Ágora foi escolhia... A resposta é essa: porque
quem estava do lado de cá, do lado do poder público, quis que fosse a Ágora. É até possível que a
Ágora seja a entidade mais qualificada para desempenhar esse
programa. Não sei.
Folha - Quando uma entidade
subcontrata serviços com dinheiro
público, há algum tipo de controle?
Furtado - Uma decisão do TCU
determina a alteração da instrução normativa que regulamenta a
celebração de convênios. A determinação é que as entidades conveniadas, quando forem contratar, adotem padrões da Lei de Licitação.
Folha - Isso é uma exigência ou
uma orientação?
Furtado - O TCU está querendo
isso. Houve a mudança. Hoje é
obrigado a seguir a Lei de Licitação, mas não se segue.
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