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NO PLANALTO
Lobby pelo crediário, eis a
novidade que vem de Pernambuco
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Lobby é mais ou menos como futebol. Só que jogado
na boca do cofre público. O lobista não é senão um meia-armador. Dribla o sistema defensivo, limpa (ou seria suja?) a jogada e cria a oportunidade de
gol. Feito com a mão, naturalmente.
Vem de Pernambuco, terra de
Rivaldo, a última novidade no
campo da esperteza: o lobby a
crédito, com pagamento a prestações. Nasceu assim:
1) os atacadistas pernambucanos julgavam-se perseguidos pelo Fisco estadual. Achavam alta
a mordida do ICMS, o imposto
sobre circulação de mercadorias. Queixavam-se de que Estados vizinhos, tais como Paraíba,
Alagoas e Bahia, concediam generosas reduções de alíquota.
Queriam provar do melado;
2) como o governo peemedebista de Jarbas Vasconcelos resistia à idéia de entrar na guerra fiscal, o atacado passou a sonegar à larga. O governo tentou
reprimir. Mas acabou dobrando
os joelhos;
3) enviou à Assembléia Legislativa um projeto podando o
ICMS. Alíquotas que variavam
de 17% a 25% passaram à faixa
de 3% a 10%. Aprovada, a proposta foi à sanção do governador. Jarbas Vasconcelos sancionou-a em 10 de maio;
4) em 27 de maio, uma entidade chamada Aspa (Associação
Pernambucana de Atacadistas
e Distribuidores) enviou carta
aos seus associados. O texto acomoda sobre o papel termos normalmente sussurrados só em
diálogos subterrâneos;
5) o primeiro parágrafo apresenta a nova lei não como coisa
de governo, mas como obra da
associação, "a maior conquista"
já obtida, capaz de despertar
"inveja" em "colegas de outros
Estados";
6) o segundo parágrafo é
transparente como água de bica: "(...) toda a operação de
montagem deste projeto necessitou o envolvimento de uma série de pessoas, lobbies e assessorias, entre eles o escritório de
Alírio Moraes de Melo e Advogados Associados (...)"
7) o terceiro passa o chapéu:
"os valores envolvidos foram
substancialmente altos e estão
muito longe das disponibilidades de caixa da nossa Aspa, o
que nos obriga a dividir entre os
nossos diversos associados (...) o
custo de toda essa operação (...),
sendo o total dividido em oito
parcelas" (de maio a dezembro);
8) a dentada varia conforme o
faturamento do mordido. Os detalhes são acertados com o escritório do advogado Alírio Moraes de Melo. Pode-se pagar até
por meio de boleto bancário;
9) sob os efeitos da mordedura, empresário pernambucano
soprou ao repórter que um naco
da caixinha engraxará o caixa
dois de campanhas de deputados que ajudaram na poda do
ICMS;
10) poucos deputados auxiliaram tanto quanto Tereza Dueire, líder do PFL na assembléia
pernambucana. "Nunca tive
contribuição desse setor (atacadista)", diz ela. "Mas não é do
desconhecimento de ninguém
que o empresariado todo colabora com parlamentares", afirma;
11) trocou-se voto por grana?
"Não creio", diz Tereza. "Evidentemente eles devem ter alguns parlamentares que eles devem ter contribuído anteriormente em termos de campanha
(...) Mas isso não tem nada a ver
com condicionamento";
12) o repórter discou para Diógenes Andrade Filho, um atacadista de perfumes e alimentos
que preside a Aspa. A carta que
expõe a vaquinha do ICMS leva
a assinatura dele. Diógenes diz
que o jabaculê pagará só honorários advocatícios;
13) mas e quanto ao envolvimento de "uma série de pessoas,
lobbies e assessorias?" "Bem",
explica Diógenes, "o associado
geralmente resiste em fazer contribuições. Então, nessas correspondências, a gente precisa enfeitar um pouquinho a boneca";
14) firmou-se um contrato
com o escritório de advocacia,
certo? "Acho que não", prossegue Diógenes. E o que se quis dizer com os "valores substancialmente altos" mencionados na
carta? "Creio que não chega a
R$ 100 mil";
15) ouvido, o advogado Alírio
Moraes de Melo diz coisa diferente. Sobre o contrato: "Apresentamos à diretoria da Aspa
uma proposta de trabalho, que
foi aprovada". Prometeu exibir
cópia do documento. Não mostrou. Sobre os honorários? "Oito
parcelas de R$ 45 mil mensais."
Ou seja, R$ 360 mil. Sobre o teor
da carta de seu cliente: "Não
posso responder por documento
emitido por terceiros";
16) Alírio Moraes diz estar
sendo remunerado por um estudo. Comparou a legislação tributária de Pernambuco à de outros Estados. E dissecou o cotidiano tributário de 50 dos
maiores atacadistas de Pernambuco. O advogado não admite,
mas redigiu-se também no escritório dele o anteprojeto da lei
do ICMS;
17) "Isso é muito comum no
país inteiro", diz Sebastião Jorge
Jatobá, secretário de Fazenda de
Pernambuco. "São advogados
especialistas em direito tributário." Sebastião conta que o projeto foi modificado pelo governo
e emendado na Assembléia. Espera-se que arrecadação de
ICMS cresça R$ 18 milhões por
ano. Se, ao contrário, cair, a nova lei prevê a possibilidade de
suspensão do benefício. "É uma
salvaguarda que temos", confia
Sebastião;
18) fica então entendido que,
vistos pelo Fisco como bambas
da sonegação, os atacadistas de
Pernambuco pingam uns caraminguás no pires, em agradecimento por uma lei cujo objetivo
é forçá-los a pagar mais imposto. Então, tá.
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