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JANIO DE FREITAS
Passados esquecidos
Na corrida aos comentários sobre o terceiro livro de
Elio Gaspari, alguns fazem propagar a idéia de que "A Ditadura
Derrotada" traz a confirmação
documental do que se sabia à
época do governo Geisel. Desse
modo, por chocantes que sejam,
não seriam surpreendentes as
transcrições dos conceitos e posições do general, nem mesmo os
expressos em frases como "esse
troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser".
A novidade estaria mais no registro, em gravações da época e agora em livro, do que na personalidade que se expõe do general e
nos fatos, de diferentes gêneros,
que a comprovam.
A convicção generalizada sobre
Geisel e o papel a que se propunha, no entanto, eram outros. A
imagem difundida de Geisel, antes ainda de ser "candidato" à sucessão de Médici, era a de homem
de princípios respeitáveis e rígidos. Os modos prussianos e seu silêncio favoreceram a construção
da imagem. Mas, sobretudo, consolidou-a depois da posse a crônica política da época, por sua parte
principal: tudo era interpretado
como indicação de sentimentos e
objetivos democráticos, humanitários e éticos de Geisel, em contraposição à arbitrariedade geral
em vigor desde 64. As indicações
em contrário, proporcionadas pelo próprio Geisel, foram atenuadas, embora com certa relutância
em episódios como o fechamento
do Congresso.
Esse Geisel messiânico assumiu
o governo, segundo a versão consagrada, por obra de uma conspiração refinada e imbatível, construída pelo general Golbery do
Couto e Silva para impor sua corrente, e o próprio Geisel, goela
abaixo de Médici e sua linha-dura.
Se esta versão, intocada até
aqui, não resiste às transcrições
feitas em "A Ditadura Derrotada" -ainda que Geisel não fosse
mera escolha de Médici, como as
transcrições indicam-, as personalidades dos dois generais e sua
figuração histórica arruinam-se
sob a força das revelações extraídas por Elio Gaspari do prodigioso material que, em gestos grandiosos, lhe repassaram Heitor
Aquino Ferreira e, secundariamente, Amália Lucy Geisel.
Revelação, no caso, não é força
de expressão. E nenhuma idiossincrasia, pessoal ou política, seja
de quem for, pode diminuir a
contribuição do livro. Geisel enfim se torna portador do espírito
antidemocrático (e pior do que isso) que iniciou a "lenta, gradual e
segura distensão" tangido por circunstâncias mais fortes do que
sua prepotência. Como história
não é religião, atos posteriores
não absolvem atos anteriores.
Golbery, por sua vez, ganha
com o que perde. Constata-se que
foi sinceramente, e até indignadamente, contra a tortura, nisso
derrotado mesmo no governo de
que era o artífice maquiavélico.
Golbery junta mais desastres aos
já conhecidos de suas elucubrações, ganhando estatura mais humana, embora um tanto patética
no contrate entre seu conceito e
seus resultados.
"A Ditadura Derrotada" é, sim,
um livro revelador -como convém ao jornalismo e à historiografia.
Decência
Não pode faltar uma palavra de
reconhecimento à senadora Heloísa Helena. Sua inteligência e
sua capacidade, inegáveis sempre, foram prejudicadas com frequência por um estilo espetaculoso, uma impetuosidade que não
se contém na teatralidade da política. Nada disso lhe diminui a
coerência e a coragem das atitudes.
Foi esse o caso, agora, com sua
recusa a ser desleal com o eleitorado e trair os princípios que o PT
lhe ensinara a defender politicamente. Heloísa Helena pôs a cabeça na guilhotina dos Zés Genoinos, mas não se juntou aos que
trocaram seu passado por submissão: votou contra a "reforma"
da Previdência.
O senador Paulo Paim passou
meses proclamando seu voto
também contrário. Nas vésperas,
disse que decidiria o voto na hora.
Na hora, lá se foi com os demais,
mansinho, para o matadouro
moral.
Ponderação
A perda do poder aquisitivo de
quem trabalha bate recorde, o desemprego bate recorde. Diante
disso, uma profunda ponderação
do ministro Antonio Palocci: "Só
é pessimista quem quer".
Logo, também só é otimista
quem quer. Quem quer enganar a
si ou ao próximo.
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