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NO PLANALTO
Abin do PT elogia fichado pelo "Brasil Nunca Mais"
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Planalto iniciou em
outubro operação para
tonificar os poderes da Agência
Brasileira de Inteligência. A "nova" Abin vem sendo vendida em
reuniões públicas. Num esforço
que conta com a participação do
chefe do Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência, general Jorge Armando Félix.
Para Félix, a trilha da transparência tem certos obstáculos. Papéis secretos, ainda que velhos
de 200 anos, de interesse meramente historiográfico, não podem conhecer a luz do sol. Cioso
quanto ao sigilo, o general talvez
devesse zelar também pelo conteúdo do papelório oculto.
O teor de alguns deles não
combina nem com o discurso de
Félix nem com o histórico do governo a que serve. É o caso do
"Boletim de Serviço Confidencial" da Abin. Possui periodicidade quinzenal. É impresso em
rotativas da própria agência.
O repórter obteve o número 14.
É coisa novíssima, de 31 de julho
de 2003. No capítulo "Justiça e
Disciplina", sob o título "referências elogiosas", o boletim
exalta "a lealdade, o espírito de
irrestrito cumprimento do dever,
a inteligência, a correção de atitudes e a fidalguia" de um de
seus servidores.
Chama-se Rubens Robine Bizerril. É coronel do Exército.
Aposentou-se em julho, depois
de "anos de bons serviços à inteligência brasileira". Ingressara
no extinto SNI em 74. Dois anos
antes, chefiava um inquérito militar no Batalhão de Caçadores
de Goiás, hoje rebatizado de Batalhão de Infantaria Militar.
Eram tempos nublados. Pergunte-se ao companheiro Zé
Dirceu. Libertado da cana em
69, numa operação que envolveu a troca de prisioneiros políticos pelo embaixador americano
Charles Elbrick, Dirceu, então
um estudante idealista, retornara de uma temporada em Cuba.
Entrara clandestinamente no
Brasil em 71, como integrante do
Molipo (Movimento de Libertação Popular). Encontrou uma
atmosfera de franca perseguição. No mesmo ano, refugiou-se
de novo em Cuba. Fez plástica
no rosto com médicos chineses e
só ousou retornar em 75, na pele
de "Pedro Caroço".
Gente como Dirceu temia justamente a ação de gente como o
coronel Robine Bizerril. Não
sem motivo. Em agosto de 72, Ismael de Jesus Silva, 19, estudante
secundarista de Campinas, militante do Partidão, conheceu "a
correção de atitudes e a fidalguia" do xilindró do Batalhão
de Caçadores de Goiás. Preso, foi
torturado à morte.
A família só soube do ocorrido
quase um mês depois. O cadáver
de Ismael Silva exibia claros sinais de maus-tratos. Trazia um
olho vazado, as palmas das
mãos lanhadas. Pela versão oficial, cometera suicídio.
Envergonhado por ter sido
preso, teria se enforcado com um
fio de persiana. À frente do inquérito, Robine Bizerril, aferrado ao "espírito de irrestrito cumprimento do dever", não se deu
ao trabalho de abrir uma reles
sindicância. Seu nome foi ao
dossiê do projeto "Brasil Nunca
Mais".
Em 2000, sob FHC, Robine Bizerril foi descoberto no exercício
de nobres funções. Ocupava o
posto de coordenador de Planejamento e Segurança Pública do
Ministério da Justiça. Exposto
no noticiário, foi devolvido pelo
tucanato à Abin.
Ouvido à época pela Folha,
Robine Bizerril pretextou inocência. Disse que só vira Ismael
Silva depois de morto. Estava no
quarto de um sargento, o fio de
persiana enrolado no pescoço.
Alegou que o estudante não fora
recolhido a uma cela convencional por falta de espaço. Não enxergou razões para duvidar da
versão de suicídio. Disse: "A tortura é covarde, abominável, abjeta e uma burrice".
Irônico e caprichoso, o destino
quis que Robine Bizerril interrompesse a sua trajetória de
"bons serviços" no curso do primeiro ano do governo petista.
Aposentou-se na função de assessor de Inteligência da Diretoria Executiva de Planejamento e
Coordenação da Abin.
Redigidos por um superior, os
elogios à sua atuação foram
chancelados pela chefia da repartição. Publicados no boletim
confidencial da Abin, ganharam
ares de manifestação oficial.
Procurado, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência manifestou-se por escrito
na sexta-feira. Disse que a "referência elogiosa" a Robine Bizerril foi anotada em papel "confidencial" porque nomes de servidores da Abin não podem, por
força de lei, constar de "documentos ostensivos".
De resto, o "Regime Jurídico
dos Servidores Públicos Civis da
União não estabelece qualquer
discriminação em razão da origem do servidor." Por isso, Robine Bizerril "recebeu tratamento
igual a todos os demais". Ponto
final.
Assim como os ex-militantes
de esquerda que executaram
prisioneiros, personagens como
Robine Bizerril têm o passado
escorado na Lei da Anistia. O
diabo é que nenhuma lei preceitua que devam ter o futuro adornado por "referências elogiosas".
O gesto deve ser debitado ao
descompromisso do ex-PT com a
sua própria história. Será contabilizado no mesmo rol de passivos em que se encontra espetada
a resistência do "novo" governo
em disponibilizar à história as
informações oficiais relativas à
guerrilha do Araguaia.
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