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CÂMARA OCULTA
Filhos, mulheres, irmãos e cunhados são lotados na administração da Casa, mas atuam nos Estados
Deputados dão 50 cargos vips a parentes
EDUARDO SCOLESE
JAIRO MARQUES
DA AGÊNCIA FOLHA
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
O deputado federal Eduardo
Seabra (PTB-AP) encaixou dois
filhos na Câmara dos Deputados.
O mais novo, Rafael, 23, está lotado em Brasília, mas lá, segundo
colegas servidores, não aparece
"há muito tempo".
A ocupação do mais velho,
Eduardo Júnior, 28, também lotado no Distrito Federal, foi relatada pela mãe, Jurema. De Macapá
(AP), por telefone, ela explicou:
"O Eduardo está morando em Belém [Pará] para fazer faculdade de
engenharia".
Os filhos de Seabra seriam casos
banais de nepotismo no Legislativo, não fosse por um detalhe: eles
não estão lotados no gabinete do
parlamentar, mas, sim, em cargos
vips, os chamados CNEs (Cargos
de Natureza Especial), que nada
têm a ver com o apoio à representação do mandato popular.
São cargos "encontrados na administração da Casa", segundo o
ato da Mesa Diretora número 45/
96. No papel, não há nenhum vínculo entre filhos e pai. Eduardo é
lotado na liderança do PTB, e Rafael, na Procuradoria Parlamentar. Na prática, porém, ambos estão sob a proteção do deputado.
A família Seabra não está sozinha. Levantamento da Folha com
base na leitura de 150 boletins administrativos editados na gestão
do presidente João Paulo Cunha
(PT-SP) revelou que 50 parentes
de parlamentares -34 filhos, seis
mulheres, cinco irmãos, três sobrinhos e dois cunhados- são
CNEs lotados em áreas diversas
da administração da Casa e das lideranças partidárias.
Negócios de família
Os parentes foram contratados
com indicação de 43 deputados
-8% do total da Câmara, ao custo anual aproximado de R$ 1,3
milhão só com os salários. Os
CNEs, cargos de livre provimento, sem concurso público, recebem entre R$ 1.680 e R$ 7.428.
De acordo com o levantamento
da reportagem, pelo menos outras dez pessoas que ocupam ou
ocuparam por alguns meses no
ano de 2003 cargos vips têm parentesco de primeiro grau com
políticos de fora da Câmara ou
com deputados não-reeleitos.
Os CNEs são distribuídos aleatoriamente entre os deputados
pela Mesa e pelas lideranças partidárias. Além disso, todo parlamentar já conta com uma verba
de R$ 35 mil mensais para a contratação de 5 a 20 secretários parlamentares por gabinete. Esses
funcionários (os chamados SPs)
têm autorização para trabalhar
nas bases dos deputados.
Reportagens anteriores da Folha indicaram que os CNEs estão
atuando em trabalhos políticos
para deputados e lideranças partidárias. Oficialmente, deveriam estar em seções da Mesa, lideranças,
comissões e órgãos administrativos, como a Cope (Coordenação
de Programas Especiais), que
atende servidores viciados em
drogas ou álcool.
No caso dos parentes, muitos
deles nem sequer fazem assessoria política a deputados e partidos. Alguns simplesmente recebem salários enquanto cursam
universidades, tocam seus próprios negócios ou cuidam dos interesses da família.
País afora
O perfil desses parentes de deputados é basicamente o mesmo:
jovens universitários, com pouca
ou nenhuma experiência política
e que recebem salários dos cofres
públicos sem manter uma rotina
de trabalho na Câmara.
Funcionários comissionados da
Casa, a irmã de Roberto Jefferson
(PTB) mora em Petrópolis (RJ) e
"cuida das correspondências" do
deputado; dois filhos de Arnon
Bezerra (PSDB) estudam em Fortaleza (CE); duas filhas de Raimundo Santos (PL-PA) estão no
Pará, sendo que uma terceira foi
exonerada há dois meses; e a filha
de Romeu Queiroz (PTB-MG)
tem escritório particular em Belo
Horizonte (MG). A seguir, quatro
casos selecionados pela reportagem entre os 50 apurados em 20
Estados e no Distrito Federal:
1) José Maurício Cavalcanti Ferreira é filho do deputado e segundo-secretário da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). Em maio
passado, foi nomeado na Cope
em um cargo que prevê salário
mensal de R$ 7.428.
Morando em Recife (PE), o filho
do deputado vive uma outra rotina. Na última terça-feira, ele mesmo afirmou, antes de bater o telefone: "Cuido de assuntos políticos
em termos de assessoria. Assessoria também ao deputado Severino
Cavalcanti, aqui em Recife e em
Brasília também".
2) Thiago de Carvalho Freitas,
filho do deputado Ricarte de Freitas (PTB-MT), foi nomeado pela
presidência da Câmara para atuar
na diretoria-geral da Casa. Seu
cargo prevê salário mensal de cerca de R$ 2.500.
Thiago, entretanto, trabalha em
uma empresa de assessoria de comunicação de Brasília. Na semana passada, desligou abruptamente o telefone quando foi indagado pela reportagem sobre como consegue conciliar os trabalhos na diretoria da Câmara e na
assessoria de imprensa.
3) Nomeado para trabalhar na
Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público desde
abril deste ano, Carlos Felipe, filho do deputado João Leão (PL-BA), dá expediente no escritório
do parlamentar, em Salvador.
Carlos não vê problemas em ter
um cargo na Câmara sob a proteção do pai, que acumula a presidência estadual do partido. "Eu
trabalho." Carlos Felipe, cujo cargo prevê um salário de R$ 1.680,
afirma desconhecer o fato de estar
lotado em um setor técnico da Casa. O deputado do PL também encaixou na Câmara um sobrinho,
Gustavo Pedrosa.
4) No município paranaense de
Francisco Beltrão (490 km de Curitiba) vive Eduardo André, filho
do deputado Nelson Meurer (PP-PR). Lá, ele divide seu tempo entre os negócios de um irmão e a
fazenda da família.
Eduardo André está lotado na
Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, cuja atribuição é
controlar os gastos públicos. Na
comissão, ele ocupa um cargo que
prevê salário aproximado de R$
2.000. Na última segunda-feira,
um irmão de Eduardo, Nelson,
explicou que não era possível localizá-lo. "Ele [Eduardo] foi para
a fazenda e não tem dia para voltar. Lá não tem telefone".
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