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Micro/Macro
O debate climático esquenta
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Poucos tópicos em pesquisa científica
têm a influência sócio-econômica da
questão climática: afinal, o mundo está esquentando ou não? Essa história de efeito
estufa é real ou inventada por cientistas radicais? Eu mesmo escrevi várias vezes sobre o assunto, que me preocupa. Imagino
que a maioria dos leitores desta coluna
partilhem de minha ansiedade. A questão
esbarra em várias deliberações, misturando ciência com política, economia e mesmo ética. Ninguém em sã consciência gostaria de deixar um mundo em piores condições para as gerações futuras. Infelizmente, nem todas as consciências são sãs.
A questão climática está passando por
uma séria crise no momento. Há alguns
anos, o Painel Internacional para Mudanças Climáticas (IPCC), organização que
reúne cientistas do mundo inteiro, publicou um estudo alertando para o perigo do
efeito estufa, que já estaria ocorrendo e poderia ter conseqüências terríveis para a sobrevivência da humanidade ainda neste
século: o aumento da temperatura provocará a elevação do nível do mar, o degelo
das calotas polares influenciará a salinização do Atlântico Norte, interrompendo a
corrente que garante o clima temperado da
Europa e da costa leste dos EUA, novas
pragas surgirão, prejudicando a agricultura, até mesmo a malária em latitudes mais
altas. Este quadro apocalíptico só poderá
ser evitado se países passarem a controlar
rigidamente a emissão de dióxido de carbono, o CO2. Como os EUA produzem
25% do CO2 mundial e a Rússia 17%, os
dois países são os alvos principais da campanha do IPCC. Até Hollywood entrou no
debate com o filme "O Dia Depois de Amanhã", em que o efeito estufa traz uma crise
climática devastadora.
O Protocolo de Kyoto trata justamente
dessa questão. Ele só pode entrar em vigor
se 55% da emissão mundial de CO2 estiver
incluída nos países signatários. Os EUA se
recusaram a assinar, e a Rússia ameaça ir
pelo mesmo caminho. O principal conselheiro econômico de Vladimir Putin, Andrei Illarionov, acredita que o protocolo
pode arruinar a economia russa: a questão
climática não é apenas científica; ela é, essencialmente, uma questão econômica.
Tudo seria muito mais fácil se os cientistas chegassem a uma conclusão à prova de
bala que, de fato, o efeito estufa é uma realidade inevitável. Infelizmente, em assuntos
de extrema complexidade, não existem
respostas simples. E a previsão climática,
especialmente de longo prazo, é extremamente complexa. Não só porque existem
inúmeras variáveis, mas porque a análise
depende de dados históricos que muitas
vezes têm interpretação ou validade dúbia.
A combinação vem provocando uma
reavaliação da questão climática. As previsões do IPCC estão mesmo corretas? Alguns dizem que não. Entre vários fatores,
eles alegam que o aumento de temperatura
só se dá perto da superfície; maiores altitudes não sofreram alteração no século 20.
Mas ninguém sabe explicar por que a temperatura só aumenta perto da superfície.
Como é aqui que vivemos...
Os mesmos grupos criticam as simulações climáticas usadas pelos cientistas do
IPCC, acusando-as de estarem erradas. Alguns dizem até que elas são incapazes de
reproduzir as medidas obtidas até agora.
Se esse for o caso, como essas simulações
vão prever o que ocorrerá daqui a décadas?
Em vista da presente confusão, só resta
agir com cautela e recordar certas lições sobre poluição. Para mim, a melhor delas é o
buraco na camada de ozônio. Detectado
nos anos 60, ficou claro que ele era causado
pela emissão de fluorocarbonetos. Ou seja,
a atividade humana pode influenciar negativamente a atmosfera. Controlada a emissão, o buraco foi fechando. A Terra, sendo
um sistema finito, tem capacidade limitada
de suportar a incessante perturbação humana. Mesmo que existam controvérsias
climáticas, o preço por erros cometidos
agora será alto demais. Especialmente porque serão os nossos filhos a pagá-lo.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro
"O Fim da Terra e do Céu"
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