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MEDICINA
Grupo mostra "reprogramação" de célula doente
Pesquisa nos EUA transforma tumor em camundongo
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Camundongos que desenvolvem câncer não são nenhuma novidade para a ciência. Mas um
grupo de pesquisadores nos EUA
fez exatamente o contrário: criou
animais adultos a partir de células
de um tumor maligno.
O estudo parece juntar num só
experimento todos os pesadelos
éticos da biotecnologia: os animais são transgênicos e foram
produzidos com células-tronco
que, por sua vez, derivaram de
embriões clonados.
Bem menos assustador era o
objetivo dos cientistas. Eles queriam entender quais são as fases
do câncer que podem ser "reprogramadas" durante o desenvolvimento e quais fases são produzidas por alterações irreversíveis no
material genético da célula doente. A distinção pode abrir caminho para novas terapias.
"Queríamos saber o quanto o
relógio do câncer pode ser reiniciado", disse à Folha o médico
alemão Rudolf Jaenisch, do MIT
(Instituto de Tecnologia de Massachusetts), co-autor do estudo,
que sai amanhã no periódico
científico "Genes and Development" (www.genesdev.org).
Jaenisch é um dos pioneiros da
clonagem de animais a partir de
células adultas, procedimento
que produziu a ovelha Dolly em
1996 e que os cientistas preferem
chamar de "transferência nuclear" -por consistir justamente
da fusão do núcleo de uma célula
adulta com um óvulo sem núcleo.
Suas pesquisas também ajudaram a entender por que clones de
mamíferos geralmente são anormais. Muitos problemas se devem
às chamadas mudanças epigenéticas no DNA da cópia.
O nome é complicado; a idéia,
nem tanto. Durante o desenvolvimento do organismo, alguns genes são "silenciados" por moléculas que se grudam a partes do
DNA, tornando-o imprestável
para a produção de proteínas.
As mudanças epigenéticas também são responsáveis por parte
do comportamento delinqüente
do câncer. Foi para entendê-las
que o grupo de Jaenisch produziu
os camundongos alterados.
Filhos do câncer
O grupo isolou células cancerosas de melanoma, um tumor maligno de pele, extraiu seus núcleos
e os fundiu com óvulos de camundongo para produzir embriões. Estes se desenvolveram até
chegar a algumas dezenas de células. Em seguida, foram destruídos
para a extração de células-tronco.
Com as células-tronco em
mãos, os cientistas começaram a
parte realmente interessante do
experimento. Eles queriam testar
se as mudanças químicas ocorridas no óvulo conseguiram de alguma forma domar o mau comportamento inato do melanoma e
recuperá-lo, produzindo um camundongo. Chegaram perto.
Algumas células-tronco foram
induzidas a formar outro embrião. O "clone de câncer" se desenvolveu até certo ponto e morreu. "Há alterações genéticas
grandes no câncer. Você não pode mudar todas", disse Jaenisch.
Outras células foram injetadas
em embriões de camundongo
normais, formando "quimeras",
ou organismos híbridos. "É uma
técnica comum para produzir
transgênicos", conta o cientista.
Doze animais criados dessa forma chegaram à fase adulta. Mas
não sem problemas: todos eles
desenvolveram cânceres mais
agressivos e espalhados do que os
dos animais doadores das células
doentes originais. Além disso,
33% deles tiveram sarcoma (tumor em tecido muscular). Um
destino cruel para os camundongos, sem dúvida, mas talvez menos sombrio para humanos portadores de câncer.
"Boa parte do fenótipo [comportamento] do câncer pode ser
reprogramada", afirmou Jaenisch. Drogas que ataquem fatores epigenéticos, portanto, poderiam ajudar a tratar a doença.
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