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Além de revelar o novo mundo da microscopia, "cientista sem rosto" foi
também um dos pioneiros da ciência experimental e bateu de frente com
Newton
ROBERT HOOKE
1635-1703
Retrato da
pesquisa
quando jovem
Reprodução
|
Aparelhos construídos e usados por Robert Hooke |
Ildeu de Castro Moreira
especial para a Folha
Três séculos atrás, morria em Londres um dos
cientistas mais criativos e versáteis de todos os
tempos. Mas um reconhecimento maior da importância de sua obra só agora emerge, lentamente, das sombras do passado. Robert Hooke (1635-1703) deixou contribuições marcantes em muitos domínios do conhecimento: da física à biologia, passando
por geologia, química, meteorologia e astronomia.
Sua extraordinária capacidade inventiva e sua habilidade mecânica foram responsáveis por muitos inventos
significativos da época. Foi autor de um dos livros de
maior impacto na ciência e na cultura: "Micrographia"
(1665). O livro rivaliza com o "Sidereus Nuncius" (1610)
de Galileu, que também teve enorme repercussão ao
exibir os primeiros desenhos, provenientes de observações com o telescópio, da superfície lunar cheia de crateras, vales e montanhas, além de registrar a existência
de satélites de Júpiter e a estrutura estelar da Via Láctea.
Na "Micrographia", pela primeira vez foram feitas
descrições de um número enorme de observações com
o microscópio, ilustradas com cerca de 60 belíssimas
pranchas -a imagem de uma pulga sendo talvez a mais
conhecida- que atestam o talento artístico de Hooke.
O livro desvelou um mundo novo e extraordinariamente diversificado, deixando evidente a importância do
instrumento construído para explorá-lo, e consolidou o
uso das imagens na comunicação científica.
Por uma variedade de razões, Hooke não tem o lugar
proeminente na ciência que sua obra justificaria, embora esteja reconhecido, nos manuais didáticos, com a lei
que leva seu nome (Lei de Hooke). Razões para isso estão associadas a suas características individuais e ao
contexto em que viveu. Brilhante e inventivo, mas também polêmico, impetuoso e intolerante, colecionador
de inimigos poderosos, enfrentou várias disputas por
prioridades, as mais intensas delas com Isaac Newton.
Eram como cão e gato. Eclipsado posteriormente pela
repercussão da obra monumental de Newton e por sua
fama e aura de genialidade, Hooke pagou um preço alto
por ter atraído a sanha vingativa de seu inimigo, que se
tornaria o homem mais poderoso da ciência inglesa no
início do século 18. Existe mesmo a versão, mas que carece de confirmação histórica, de que discípulos de
Newton teriam destruído, após a morte de Hooke, o seu
único retrato então existente, na Royal Society.
Por outro lado, o fato de Hooke ter se dedicado a um
sem-número de assuntos díspares e a uma gama vasta
de atividades fez com que deixasse sem finalização
grande parte de suas idéias, o que gerou a imagem de
um cientista dotado de grande intuição, mas com pouca capacidade de explorá-la. Sua origem social inferior
também não colaborou para destacar a trajetória pessoal. Suas dificuldades foram talvez exacerbadas por
uma aparência física pouco aceitável para os padrões da
época. Estatura mediana, mas com o corpo excessivamente curvado, muito pálido e magérrimo, cabelos longos e malcuidados escorrendo pela face, seu aspecto só
era atenuado pelos vivazes e grandes olhos castanhos.
Com a finalidade de revisitar a herança científica de
Hooke e refletir sobre ela, a Royal Society organizou comemorações sobre o tricentenário de sua morte e um
encontro com especialistas que analisaram aspectos diversos de suas múltiplas contribuições científicas. A entidade promoveu ainda uma competição entre artistas
para que fossem imaginados retratos de Hooke.
O experimentador
Observações sistemáticas e meticulosas para dissecar a natureza do mundo e extrair
dela seus relutantes segredos: esse foi um dos pontos essenciais da nova filosofia que presidiu as atividades iniciais da Royal Society. Seu lema: "Nullius in verba"
-tudo precisava ser comprovado por experimentos,
não bastavam as palavras ou as afirmações de fé ou autoridade. Poucos encarnaram melhor esse espírito do
que Robert Boyle e Robert Hooke.
Filho do reverendo John Hooke, Hooke nasce em
1635 na ilha de Wight, sul da Inglaterra. Criança de saúde frágil, mostra habilidade na construção de brinquedos mecânicos. Estuda línguas clássicas e se fascina desde cedo com a obra de Euclides. Após a morte do pai,
que se suicidara quando o filho tinha 13 anos, vai para
Londres, onde se torna aprendiz de artistas e cientistas.
Com 18 anos, ingressa na Universidade de Oxford,
onde passa a fazer parte de um conjunto excepcional de
adeptos da visão baconiana (Christopher Wren, John
Wilkins, John Wallis, Boyle e outros), que se reunia regularmente para discutir temas e experimentos e que
criaria a Royal Society em 1662. Em 1658, torna-se assistente de Boyle, com quem inicia sua trajetória científica.
Logo no início da Royal Society, Hooke é indicado como um dos "curadores de experimentos". Desempenha
tão bem a tarefa que se torna o principal (quase único)
experimentador oficial. Tinha a incumbência de realizar a cada encontro semanal "três ou quatro experimentos consideráveis". O encargo exige um trabalho
insano, e talvez esteja aí uma das razões para sua dificuldade em se aprofundar nos temas em que trabalhava.
Por outro lado, a atividade demandou muito de sua
capacidade imaginativa e mecânica, o que possibilitou
uma enxurrada de observações nos mais variados domínios e a invenção de muitos aparatos. Em 1664, passa
a ser remunerado, embora mal e com atraso, por esse
trabalho, sendo assim um dos primeiros cientistas assalariados. Com a morte de seu desafeto Henry Oldenburg, é eleito secretário da Royal Society, em 1677, e permanece no cargo até 1682.
Entre os triunfos de Hooke estão as invenções mecânicas: construiu, instado por Boyle após o experimento
de Otto von Guericke (1602-1686), a bomba de ar moderna. Com ela, que permitia a rarefação e a compressão do ar, realizou muitos experimentos, inclusive os
que inspiraram a formulação da lei dos gases ideais.
Essa lei, que afirma que a pressão varia inversamente
com o volume ocupado pelo gás, em uma temperatura
fixa, é chamada de lei de Boyle no Reino Unido, de lei de
Mariotte, na França, e de lei de Boyle-Mariotte, em nossas bandas. Mas essa relação foi na realidade proposta
por Henry Power e Richard Towneley (1660), verificada
acuradamente por Hooke (1661), testada novamente
por Boyle e por ele publicada (1662), e formulada também pelo francês Edme Mariotte (1620-1684). Como em
muitos casos similares, esse episódio deixa evidente a
dificuldade em tornar precisas as contribuições individuais dos pesquisadores no complexo processo de descoberta e construção, em geral coletivo, de leis e resultados científicos.
Com a bomba de ar, Hooke mostrou que, na combustão, algo é retirado do ar e que, na ausência dele, ela cessa rapidamente. Impressionado pela analogia entre
combustão e respiração, registrou a existência no ar de
algum fator necessário para a vida animal. Chegou a
realizar experimentos consigo mesmo, colocando-se
em um ambiente com ar cada vez mais rarefeito, o que
lhe causou sequelas temporárias nos ouvidos e nariz.
Longitudes e relógios
Hooke voltou-se também
para o importante problema da determinação da longitude. Em razão das dificuldades para construir um relógio de pêndulo imune às perturbações do movimento
do mar, propôs algo diferente. A idéia fundamental foi
utilizar uma mola para controlar as oscilações de um
volante em um relógio; ela se tornaria o princípio do
cronômetro marítimo. Quando, em 1674, o holandês
Christiaan Huygens (1629-1695) construiu um relógio
controlado por uma mola em espiral, Hooke pôs a boca
no mundo e reclamou sua prioridade.
Afirmava que havia feito tal invento em 1658. Huygens apelou para a Royal Society e, na controvérsia que
se seguiu, Oldenburg tomou o partido de Huygens. Na
disputa, Hooke se desentendeu definitivamente com
Oldenburg, a quem denominou de "traficante de inteligência", na suposição de que Oldenburg teria repassado
informações sobre a invenção. Estudos históricos mostram que tanto Hooke como Huygens, de forma mais
ou menos independente, fizeram contribuições decisivas para a construção do cronômetro.
A lei que leva o nome de Hooke foi introduzida em
1678. Ela afirma que a força produzida por uma mola é
proporcional ao valor de sua compressão ou distensão
(em relação à posição de equilíbrio). Para preservar sua
formulação, Hooke havia, anos antes, escrito o anagrama "CEIIINOSSSTTUV". Era uma mistura das letras da
expressão latina de sua lei: "Ut tensio, sic vis". Na realidade, como já observado por ele, a expressão se aplica,
como primeira aproximação, a quase todas as deformações elásticas de sistemas próximos do equilíbrio.
Entre suas inúmeras invenções estão o diafragma usado em câmeras e a construção de um sistema mecânico
rudimentar de comunicação a distância, que explorava
a transmissão do som por meio de fios e cordas. Construiu ainda a primeira junta universal, hoje amplamente usada em veículos. Formas primitivas desse tipo de
junção já eram conhecidas pelos chineses 2.000 anos
atrás e também haviam sido teorizadas por Jerome Cardan no século 16.
Hooke afirmava ter imaginado 30 maneiras diferentes
para realizar o vôo, embora não tenha deixado esquemas detalhados. Inventou ou aperfeiçoou aparelhos
que possibilitaram o desenvolvimento da meteorologia
científica: novos higrômetros e barômetros, medidores
de chuva, anemômetros e um "relógio do tempo [atmosférico]" que registrava automaticamente as medidas de diversos instrumentos.
Espécies novas
Ao analisar os fósseis, Hooke supôs
que fossem remanescentes de organismos que tivessem
vivido anteriormente e, como a maioria deles não era de
espécies existentes, concluiu que algumas formas de vida já haviam sido extintas. Para ele, se essas formas podiam desaparecer ao longo de sua história, "pode haver
agora diversas espécies novas, que não existiam no início", chegando a fazer especulações sobre a mutabilidade das espécies. Supôs também que a superfície da Terra era muito mais dinâmica do que se imaginava, consistindo de remanescentes de diversas épocas e catástrofes, e que era bem mais antiga do que os 6.000 anos
geralmente aceitos naquela época.
Embora estivesse longe da maturidade, a geologia de
Hooke foi um passo ousado dentro do quadro da Restauração, confrontando fortemente as visões bíblicas
predominantes. Compare-se isso com a posição de
Newton, que dedicou longos anos da vida a estudar a
adaptação da história do mundo à cronologia bíblica e
que previu o fim dos tempos para 1867.
Samuel Pepys (1633-1703) relata que, ao adquirir a
"Micrographia", em 1666, devorou o livro noite adentro: "É o livro mais engenhoso que já vi em toda minha
vida". Nele, Hooke descreve o primeiro microscópio
composto e expõe muitas de suas observações originais:
o olho composto da mosca, as estruturas do ferrão de
uma abelha e de penas, o movimento das asas dos insetos, os cristais de neve, a estrutura irregular da ponta de
uma agulha e do fio de uma navalha etc. Ao analisar cabelos, pêlos e fios, desenvolve a idéia de que era possível
a produção de um fio artificial como o da seda.
Também registra (e desenha) a famosa observação
sobre as "células" existentes na cortiça e em outros materiais vegetais. Foi talvez o primeiro a observar uma célula vegetal. Antonie van Leeuwenhoek (1632-1723), cujos trabalhos foram logo divulgados e refeitos por Hooke, descobriria os seres unicelulares em 1674.
Na "Micrographia", Hooke descreveu também os padrões coloridos formados por uma camada fina de ar
entre placas de vidro (os "anéis de Newton"). Concluiu
que as cores eram produzidas pela cooperação entre a
luz refletida na parte de frente e na parte de trás da película. Reconheceu a periodicidade nas cores, o que seria
depois demonstrado cabalmente por Newton. Na visão
de Hooke, a luz era constituída de vibrações muito rápidas transmitidas através de um meio material. Sua teoria, no entanto, era bastante imprecisa, obscura mesmo,
e nunca foi amplamente desenvolvida. Mas sua intuição
de um comportamento ondulatório da luz é digna de
destaque. Em 1672, sugeriria que as vibrações luminosas poderiam ser perpendiculares à direção de propagação da luz.
Na senda de outros mecanicistas, Hooke imaginava o
calor como uma agitação veemente e muito vigorosa
das partes do corpo. Mas seu atomismo é menos geométrico e mais dinâmico do que o de seu mestre Boyle.
Os átomos se tornam a causa eficiente de todas as coisas
e transmitem perturbações em um meio no qual estão
imersos. A vibração era para ele um princípio mecânico
presente em quase todos os fenômenos naturais.
Hooke se pautava, mas não estritamente, na tradição
baconiana empírica e qualitativa, embora não desvalorizasse o uso da matemática. Mas seu ponto forte era a
habilidade para construir e medir quantitativamente a
natureza por meio de instrumentos inventados para estender o poder dos sentidos. Diz na "Micrographia": "O
cuidado seguinte a ser tomado, com relação aos sentidos, é suprir suas debilidades com instrumentos e, assim fazendo, adicionar órgãos artificiais aos naturais".
Ecos na literatura
Com o "Sidereus Nuncius", de
Galileu Galilei, o impacto do telescópio na imaginação
literária foi quase imediato. Recorde-se o seu significado para o "Paraíso Perdido", de John Milton, o primeiro
poema cósmico moderno. O reflexo do microscópio
não foi menos interessante e profundo. "Micrographia"
teve enorme repercussão nos círculos intelectuais europeus. Contribuiu muito para a popularização do microscópio, instrumento mais acessível do que o telescópio, que se transformou em diversão da aristocracia européia, em particular das damas.
Pensadores, artistas, escritores e poetas logo deram
vazão à imaginação e ao entusiasmo com a filosofia experimental e com o micromundo. Mas também surgiram críticas e receios com a maré científica montante.
Thomas Shadwell (1642-1692), por exemplo, escreveu
uma peça corrosiva, "O Virtuoso" (1676), inspirada claramente em Hooke. O personagem principal, sir Nicholas Gimcrack, é um tolo cientista amador, adepto do microscópio, que se dedica a empreendimentos aparentemente absurdos. Por outro lado, seria impensável imaginar a produção de "As Viagens de Gulliver" (1726), de
Jonathan Swift (1667-1745), com seus mundos e habitantes em escalas diversas, sem o contexto do uso amplo do telescópio e do microscópio.
Uma rápida olhada na
"Micrographia" atesta
que Hooke merece ser
visto como mais
do que adversário e
instigador de Newton
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Em setembro de 1666, um grande incêndio assolou e
destruiu grande parte de Londres. Uma semana após o
incêndio, Hooke propôs um plano para a reconstrução
da cidade. Embora não tenha sido adotado (e tenha se
perdido), seu projeto impressionou, e ele foi nomeado,
com mais dois arquitetos (um deles seu amigo Wren),
para supervisionar a reconstrução da cidade. Seu trabalho como arquiteto foi negligenciado ao longo dos tempos, eclipsado pela figura marcante de Wren, cuja reputação arquitetônica adquiriu grande e justo destaque
entre os historiadores.
Hooke, enérgico e encurvado, percorria Londres inspecionando centenas de prédios, examinando as fundações e a construção de ruas, canais e pontes. Essa atividade extenuante resolveu, porém, um dos de seus
problemas angustiantes: o financeiro. Ele e Wren trabalharam juntos na construção de muitos prédios, como o
observatório de Greenwich, o monumento ao Grande
Incêndio e a catedral de St. Paul, embora Wren tenha
assumido o papel principal. Mas outros prédios importantes são da lavra exclusiva de Hooke, como o Royal
College of Physicians e o Bethlehem Hospital. Pouca
coisa de seus projetos arquitetônicos resta hoje de pé.
Newton X Hooke
A relação entre Newton e Hooke
oscilou entre silêncio obsequioso, escaramuças leves e
disputas pesadas. Em vários momentos, questões sérias
de prioridade se colocaram. A primeira delas ocorreu já
no início da carreira científica de Newton. Quando
Newton escreveu sua primeira carta sobre a teoria da
luz, em 1672, Hooke, do alto de sua experiência no assunto, fez uma crítica rápida e algo superficial. Surgiu
daí o primeiro confronto entre eles. Newton gastou semanas para responder e mostrou toda a sua capacidade
argumentativa e também suas garras.
Hooke foi submetido à humilhação de receber uma
resposta dura e pública às críticas que fizera a seu oponente. Mas Newton teve de deixar claro -ele que dizia:
"não invento hipóteses"- que fizera uma hipótese ousada, a de que a luz seria constituída de corpúsculos.
Quando Newton publicou, em 1675, sua "Hipótese da
Luz", Hooke ficou irritado e teria alegado, injustamente, que tudo já estaria contido em sua "Micrographia".
Esse episódio deixou Newton tão agastado que a partir
daí se mostraria sempre receoso de expor suas idéias. A
segunda obra magistral de Newton, "Óptica", só viria a
ser publicada, não por coincidência, em 1704, logo após
a morte de Hooke -e sem menção a ele.
A polêmica mais intensa entre os dois, porém, ocorreria com a proposição da lei da gravitação. Quando Newton publicou seus famosos "Principia", em 1686, Hooke
ficou insatisfeito e se considerou injustiçado por não
ver citadas suas contribuições. Na polêmica que se instalou, Newton respondeu com a intensidade de sempre,
e suas afirmações prevaleceram no meio acadêmico.
Hooke nunca se recuperaria dessa frustração.
Estudos recentes de historiadores da ciência, entre os
quais de grandes especialistas em Newton como Richard Westfall e Bernard Cohen, se nada retiram do brilho intelectual de Newton, mostram que a contribuição
de Hooke foi bem mais importante do que Newton estava preparado para admitir. Em 1679, Hooke escreve
uma carta amável para Newton em busca de cooperação e sugerindo que se engajassem numa correspondência filosófica. Convida-o a comentar sua idéia de
que o movimento dos planetas poderia ser explicado
por uma combinação de duas componentes: um movimento tangencial à orbita, de origem inercial, e outro
atrativo na direção do centro, ocasionado por uma atração proveniente do Sol.
Essa idéia foi decisiva para colocar Newton no caminho da gravitação universal. Em sua resposta, ele admitiu que a análise era nova para ele. Na esteira do matemático e filósofo René Descartes (1596-1650) e de Huygens, Newton vinha raciocinando até então em termos
de forças centrífugas (para fora do centro) para analisar
o movimento curvilíneo.
Hooke imaginou também que a atração ocorria por
pulsos na direção do Sol que desviavam o planeta de
uma trajetória reta e faziam com que percorresse um
caminho curvo. Baseado nessa idéia, propôs que a atração centrípeta, que puxava o planeta na direção do Sol,
variava com o inverso do quadrado da distância ao Sol.
Pesquisadores como Michael Nauenberg têm mostrado
que Hooke chegou a essas idéias não apenas por adivinhação ou intuição, como até há pouco se pensava, mas
também pelo uso de análogos mecânicos do movimento celestial. Usou como modelo o movimento de um
pêndulo cônico, que resolveu por métodos gráficos
aproximados. Mas ele só pôde ir até aí. O enorme salto
exigido para explicar o sistema do mundo seria dado, e
brilhantemente, por seu grande oponente, alguns anos
depois, com a publicação dos "Principia".
Gravitação
A análise da correspondência entre eles
mostra que Hooke ensinou a Newton como analisar o
movimento curvo. Posteriormente, Hooke fez a afirmação forte de que merecia o crédito por ter sugerido a
Newton a lei da gravitação universal. A reclamação era
muito exagerada. Ele de fato havia proposto a idéia de
uma atração que varia inversamente com o quadrado
da distância e que está dirigida para o Sol. Mas a gravitação universal é muito mais do que isso. Implica também o efeito dos planetas sobre o Sol e se aplica a todos
os objetos no Universo. Além do mais, faltaram a Hooke as qualidades possuídas por Newton, entre as quais
um excepcional conhecimento matemático, para chegar à solução do problema.
Os últimos anos da vida de Hooke, até março de 1703,
foram vividos de forma melancólica e doentia, com um
sentimento permanente de ter sido usurpado por Newton e Huygens. Em 1687, morreu uma sobrinha com a
qual vivera durante vários anos. Ao contrário do eremita Newton, tivera também, embora nunca tenha se casado, várias companhias femininas ao longo da vida.
Como a consagrar uma história de eclipses e ocultações
históricas, seu túmulo é hoje desconhecido.
Mas, se a face de Hooke e parte significativa de sua
obra podem ter ficado perdidas nos desvios e desvãos
da história, resta ainda apreciar muito do que esse cientista dotado de extraordinária capacidade criativa e habilidade mecânica fez como filósofo natural, experimentador e construtor de instrumentos científicos.
Uma olhada, mesmo que rápida, na "Micrographia"
atesta que Hooke merece mais do que ser visto apenas
como o adversário e instigador permanente de Newton.
Ildeu de Castro Moreira, físico, é professor do Instituto de Física da
UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
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