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PESQUISADOR USA DETECTOR DE RAIOS CÓSMICOS NA TENTATIVA DE DESVENDAR MISTÉRIOS DE UMA PIRÂMIDE CONSTRUÍDA NO MÉXICO POR UM POVO ANTIGO HÁ 2.000 ANOS
A CÂMARA SECRETA
Reprodução
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Pirâmide do Sol, construção de 2.000 anos nas ruínas de Teotihuacán, México, que será vasculhada com a ajuda de partículas subatômicas vindas do espaço |
Gonzalo Argandoña
da "New Scientist"
Quando Arturo Menchaca estava estudando física na Universidade de Oxford, no Reino
Unido, ele nunca imaginou que sua paixão
por física de partículas fosse levá-lo à arqueologia. No entanto, neste mês, Menchaca, que dirige o
Instituto de Física da Unam (Universidade Nacional
Autônoma do México), vai se aventurar sob toneladas
de rocha e lama à procura da tumba de um rei que desapareceu séculos atrás. Ali, ele instalará um detector de
raios cósmicos -um dispositivo bizarro mesmo para
esta era, na qual a alta tecnologia invadiu a pesquisa arqueológica. Menchaca acredita que as partículas de alta
energia que vêm do espaço e bombardeiam a Terra ajudarão a desenterrar os segredos da Pirâmide do Sol,
construída há 2.000 anos em Teotihuacán, perto da Cidade do México.
As origens de Teotihuacán se estendem até o ano 800
a.C., quando os primeiros habitantes se instalaram na
região. A cidade foi a primeira metrópole das Américas,
a capital de uma civilização complexa que durou mais
do que o Império Romano. Mas isso parece ser tudo o
que se sabe a respeito desse lugar. Ninguém sabe, por
exemplo, se a cidade tinha monarcas absolutos, como
ocorria na maioria das civilizações antigas, ou se era governada por uma coalizão formada pelas famílias mais
influentes.
Mesmo o nome verdadeiro da cidade se perdeu no
tempo. Por algum motivo desconhecido, a metrópole
foi abandonada por volta do século 7 da Era Cristã. Mais
tarde, quando os astecas a encontraram -completamente deserta-, pensaram que o local fosse habitado
por seres sobrenaturais. Foram os astecas que batizaram as ruínas. Na língua desse povo, o nahuátl, o nome
Teotihuacán significa "local dos deuses".
"Infelizmente, Teotihuacán não tem história. Não temos nenhuma língua ou fonte escrita conhecida que
nos ajude a decifrar o passado da cidade", afirma Linda
Manzanilla, arqueóloga do Departamento de Pesquisa
Antropológica da Unam. Uma das mais importantes
questões ainda sem resposta sobre Teotihuacán diz respeito justamente às suas origens: quem fundou e governou essa cidade sagrada? Os arqueólogos acreditam que
câmaras reais, escondidas sob a cidade, poderiam conter a resposta, mas décadas de escavações até agora não
trouxeram nenhuma evidência conclusiva. Então, só
por causa disso, a resposta deveria vir do espaço? Menchaca acredita que sim.
Precedente faraônico
Afinal, lembra o físico mexicano, isso já foi feito antes. No final dos anos 1960, o Prêmio Nobel Luis Alvarez, da Universidade da Califórnia
em Berkeley, EUA, usou um detector de raios cósmicos
para analisar a Pirâmide de Quéfren, no platô de Gizé, a
10 quilômetros do Cairo, Egito. Embora uma das muitas guerras na região tenha impedido uma exploração
mais completa do local, Alvarez -o mesmo pesquisador que descobriu as evidências de uma cratera na península de Yucatán que teria sido feita pelo asteróide
que aniquilou os dinossauros- ainda conseguiu relatar, na revista científica americana "Science", que ele
não tinha encontrado nenhum compartimento ainda
não descoberto.
Anos mais tarde, durante seu pós-doutorado, Menchaca se encontrou com Alvarez quando este dava aulas
em Berkeley. Eles conversaram sobre o experimento na
pirâmide de Quéfren, mas Menchaca se esqueceu de tudo sobre essa idéia até voltar ao México, quando conheceu Manzanilla. Juntos, eles concordaram que recriar o
experimento egípcio de Alvarez sob a pirâmide mexicana talvez pudesse dar aos arqueólogos a evidência final,
de que eles precisavam tão desesperadamente.
Quando os raios cósmicos atingem a atmosfera da
Terra, há uma violenta mas invisível colisão, que cria
milhões de múons, partículas minúsculas que duram
apenas um milionésimo de segundo. Durante esse breve intervalo de tempo, os múons viajam por dezenas de
quilômetros, passando quase ilesos pela maioria dos tipos de material -veja bem, quase ilesos. Cada obstáculo que os múons atravessam consegue absorver uma
pequena fração deles. Quanto mais denso o objeto,
maior a absorção. Portanto, um detector de raios cósmicos instalado sob uma estrutura como a Pirâmide do
Sol dará uma medida indireta da densidade daquilo que
está mais em cima. "Se nós detectarmos mais partículas
que o esperado vindas de uma dada parte do edifício, isso significa que deve haver um buraco naquela direção", explica Menchaca.
O detector tem a aparência de um cubo, cujos lados
medem 1 metro. O alto e o fundo do cubo são recobertos com "cintiladores" de plástico, que produzem luz e
um sinal elétrico quando são atingidos por partículas de
alta energia. Como os múons levam menos de um nanossegundo (um bilionésimo de segundo) para atravessar o detector, se ambas as camadas plásticas detectarem um sinal dentro dessa janela de tempo, tem-se
uma prova definitiva da passagem do múon.
De acordo com os cálculos de Menchaca, se a Pirâmide do Sol não tiver compartimentos secretos, o detector
deve contar cem partículas a cada segundo. Se essa contagem vier a ser mais alta, os pesquisadores acham que
isso deve indicar a presença de uma câmara secreta.
Mas a detecção é só metade do trabalho. Os pesquisadores precisam também saber de que direção vêm os
múons. Isso é feito por meio de 1.200 fios elétricos esticados através do cubo em diferentes direções. Quando
os múons passam, eles ionizam o ar dentro do detector,
e o campo elétrico resultante afeta as correntes que
fluem por esses fios.
Uma vez que esse efeito é mais forte no fio mais próximo da trajetória do múon, os pesquisadores podem
usar a localização das correntes variáveis para estabelecer a trajetória do múon e reconstruir a rota da partícula
através do templo. Se eles virem uma quantidade inesperadamente alta de múons numa dada direção, podem inferir a presença da câmara secreta.
Problema logístico
Em teoria, o sistema é perfeito.
Mas há um problema óbvio: como instalar um detector
de raios cósmicos debaixo das ruínas? Cavar um buraco
é muito invasivo, caro e, o pior, pode destruir o patrimônio arqueológico.
Aqui os pesquisadores de Teotihuacán deram sorte.
Os habitantes originais do lugar escavaram um túnel
que chega quase ao coração da Pirâmide do Sol. A entrada da galeria é bem pequena, mas, uma vez lá dentro,
há espaço de sobra. O corredor pré-histórico se estende
por mais de cem metros, até encontrar uma caverna
que se abre para várias câmaras. "O lugar é perfeito para
o experimento", diz Menchaca. Ele instalou um protótipo de detector no ano passado, no meio da caverna. Depois que todos os testes de equipamento e dos sistemas
de detecção funcionaram, Menchaca e seus colegas da
Unam construíram a versão final da máquina.
Neste mês, o detector em Teotihuacán será deixado
nas sombras sob a pirâmide, e lá permanecerá por um
ano, contanto milhões e milhões de múons. Vários gigabytes de dados viajarão continuamente até um computador localizado a 40 km do templo, na Unam, onde
os pesquisadores decifrarão os números em busca de
compartimentos escondidos, com uma precisão de
meio metro.
Depois que acharem uma boa candidata a câmara
real, terão de encarar a parte mais difícil do trabalho: cavar até as coordenadas tridimensionais obtidas pelos
dados fornecidos pelos raios cósmicos. No entanto,
uma vez que terão a localização exata do compartimento, os arqueólogos poderão escavar com um impacto
mínimo, comparado a uma exploração cega.
Caso finalmente consigam localizar a tal câmara e entrar nela, o que os pesquisadores esperam encontrar?
Ouro e esmeraldas consagrados à glória dos antigos
reis? Ou só um punhado de ossos empoeirados? A julgar pelas numerosas pinturas encontradas em Teotihuacán -que não trazem nenhuma representação reconhecível de monarcas-, Manzanilla suspeita que os
habitantes originais de Teotihuacán não glorificavam
suas autoridades. Na verdade, ela acredita que a liderança na cidade fosse coletiva.
"A cidade inteira estava dividida em quatro setores
principais", afirma a arqueóloga mexicana. "O mesmo
número, quatro, é um motivo recorrente na arte teotihuacana, da mesma forma que a plaza [uma espécie de
terraço cerimonial] que eu estou escavando agora perto
da Pirâmide do Sol. Todas essas evidências podem ser
sinais de uma coalizão política estável, formada por
quatro governantes", sugere. Em agosto de 2004, os
raios cósmicos já deverão ter cumprido seu papel e, então, ela saberá se acertou.
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