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Ciência em Dia
O caso Taxol
Marcelo Leite
editor de Ciência
Há países em que tribunais de contas
servem para alguma coisa. Nos
EUA, o General Accounting Office
(GAO) acaba de prestar um serviço a todos os que se preocupam com a indústria e a tecnociência farmacêutica, dentro
e fora das fronteiras do país cujo Estado
lhe cabe fiscalizar, no que respeita a gastos -meio bilhão de dólares, no caso.
Seu relatório sobre ganhos e perdas do
contribuinte americano com o remédio
antitumoral Taxol, da Bristol-Myers
Squibb (BMS), deveria tornar-se leitura
obrigatória para quem está tentando, a
duras penas, criar um ambiente empresarial de inovação biotecnológica no
Brasil. O texto pode ser baixado da internet, de graça e a qualquer hora:
www.gao.gov/new.items/d03829.pdf.
Segundo o relatório do GAO, o Taxol
-cujo princípio ativo leva o nome genérico de paclitaxel- se tornou em 2001 o
mais vendido remédio contra câncer de
todos os tempos. É indicado para tratar
vários tipos de câncer, como os de ovário
e mama, certos tipos de tumores do pulmão e o sarcoma de Kaposi (associado
com Aids). A droga rendeu à BMS US$ 9
bilhões, entre 1993 e 2002, mas só chegou
ao mercado graças às verbas públicas
que financiaram a pesquisa inicial.
O princípio ativo foi isolado em 1971 da
casca um arbusto sem valor econômico,
o teixo-do-pacífico (Taxus brevifolia).
Os estudos para desenvolver métodos de
síntese da droga, de modo a tornar sua
produção mais independente do vegetal,
foram realizados principalmente pela
Universidade do Estado da Flórida, com
financiamento dos Institutos Nacionais
de Saúde (NIH) dos EUA, que também
empreenderam os custosos estudos clínicos necessários para obter a aprovação
da droga pela FDA (agência norte-americana de fármacos e alimentos).
Em 1991, um "acordo cooperativo de
pesquisa e desenvolvimento" foi firmado entre os NIH e a BMS, com base em
legislação federal aprovada na administração de Ronald Reagan. A intenção era
permitir, com a mobilização da experiência mercadológica acumulada no setor privado, que o remédio chegasse
mais rapidamente às prateleiras das farmácias do que seria o caso se isso ficasse
a cargo de instituições estatais.
De acordo com o relatório do GAO, as
verbas públicas investidas na criação do
medicamento somaram US$ 484 milhões, mas o 0,5% de royalties sobre vendas mundiais negociados no acordo rendeu ao poder público só US$ 35 milhões.
A BMS, por seu turno, despendeu cerca
de US$ 1 bilhão no desenvolvimento,
mas faturou os tais US$ 9 bilhões -US$
687 milhões deles do sistema público de
saúde dos EUA, entre 1994 e 1999.
Uma das principais críticas do relatório é que os NIH não foram capazes de
obter garantias, na negociação do acordo
com a empresa, de que o Taxol teria preços razoáveis. Uma das razões para essa
deficiência, para o GAO, é que o poder
público não providenciou uma patente
sobre o método de síntese do paclitaxel,
o que lhe daria mais poder de barganha.
Apesar das críticas, o relatório conclui
que, abstraindo o aspecto financeiro, "o
benefício para a saúde pública foi claramente demonstrado, pois havia poucos
tratamentos para mulheres com câncer
de ovário ou de mama quando o Taxol
chegou ao mercado".
Não apareceu ainda uma história de
sucesso bilionário como o do Taxol entre
os milhares de compostos que programas de bioprospecção brasileiros estão
investigando. Antes que apareça, é bom
pensar em formas criativas de garantir o
maior benefício possível para os pacientes, sem ao mesmo tempo lesá-los na
condição de contribuintes.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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