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Terapia com DNA já pode virar doping
Existem técnicas de alteração de genes relativamente simples, mas que não tiveram segurança testada, diz cientista
Agência antidoping diz que, na prática, risco de método estrear em Pequim é nulo, mas trapaça genética está proibida por antecipação
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Se a chegada do chamado doping genético (uso de terapias
genéticas para ganhar força, resistência e velocidade) ao mundo real fosse comparada com o
percurso de uma maratona, seria possível dizer que mais da
metade do percurso já foi feito.
Nos laboratórios do Brasil e
do mundo, muitos estudos com
terapia genética estão em curso
(veja ilustração à direita). No
país, segundo a Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) existem pelo menos 50
projetos em humanos. Todos
focando doenças, como o diabetes, a anemia falciforme ou
problemas cardíacos.
"A terapia genética pode ser
usada por atletas como doping
genético", diz Renato Kalil,
cientista do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul.
"O plasmídeo [molécula circular dupla de DNA, que normalmente existe em bactérias e é
usada para levar material genético direto ao tecido-alvo da terapia] que nós usamos para o
caso do VEGF [proteína que
promove crescimento de vasos
sangüíneos] poderia ser usado
por algum atleta enlouquecido
por resultado". Seria "simples"
aplicar a técnica, diz o cientistas, mas o risco é incalculável.
A percepção do pesquisador
gaúcho -e de outros cientistas
envolvidos com o tema- indica
que a linha de chegada para que
a terapia genética migre dos laboratórios às pistas, quadras e
piscinas está mais perto do que
o ponto de largada.
A Wada (Agência Mundial
Antidoping, na sigla em inglês),
instituição ligada ao COI (Comitê Olímpico Internacional)
diz publicamente que o doping
genético "real" é algo distante,
mas já tomou medidas contra o
futuro problema. Por via das
dúvidas, a prática está inserida
na lista de proibições que o órgão fez para a Olimpíada de Pequim, que começa na manhã da
próxima sexta-feira no Brasil.
A entidade veta o doping genético, definido como "uso não
terapêutico de células, genes,
elementos genéticos ou a modulação da expressão genética,
que tenha a capacidade de aumentar o desempenho atlético". Esse texto consta do código
mundial da Wada desde 2004.
O ato de proibir -que alguns
humanistas criticam, porque as
vantagens físicas podem ser determinadas naturalmente pelos genes de uma pessoa- não é
a única medida tomada até agora. Existem 21 projetos de pesquisa em todo o mundo, financiados pela Wada, que têm um
objetivo único: desenvolver
métodos eficientes para que as
mudanças genéticas em seres
humanos possam ser flagradas.
No total, em 2008, US$ 7,8
milhões foram injetados em
pesquisas -aproximadamente
25% do total gasto com estudos
antidoping na agência.
O médico brasileiro Eduardo
De Rose, da Wada, diz que não
espera flagrar o doping genético agora. Se ele ocorrer, porém,
há ainda alguma esperança de
descobri-lo. "A violação dessa
regra antidoping poderá ser
vista por outros tipos de prova,
como o testemunho do atleta
ou mesmo de sua equipe."
De acordo com Guilherme
Artioli, ligado à Faculdade de
Educação Física da Universidade de São Paulo, não é possível
afirmar que ninguém tenha feito o doping genético. Segundo
ele, provavelmente em uma década, o primeiro caso dessa história deverá ser anunciado,
mesmo porque as técnicas para
flagrar isso serão mais precisas.
Conhecedor do comportamento de atletas, o pesquisador
não hesita em dizer: "Ninguém
dúvida que eles sejam loucos o
suficiente". Artioli é o autor de
um dos raros artigos científicos
sobre o tema em português.
"Por enquanto, [o que temos]
são suposições baseadas no conhecimento bioquímico. Isso é
muito diferente de uma terapia
e mais ainda de uma aplicação
como doping", afirma Francisco Radler, coordenador do Laboratório de Controle de Dopagem da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, única instituição do país credenciada pela
Wada. "A atitude proativa da
agência internacional [em financiar pesquisas] mostra que
os atletas terão pouca margem
de manobra quando pensarem
em usar o doping genético."
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