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Micro/Macro
A obscura matéria escura
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
O astrônomo americano Carl Sagan
dizia que nós somos poeira das estrelas. Os elementos dos quais somos
compostos, como o carbono, o nitrogênio e o oxigênio, vieram dos restos mortais de estrelas que existiram antes da
formação do nosso Sistema Solar, há
aproximadamente 5 bilhões de anos.
Quando estrelas morrem, explosões gigantescas espalham a sua matéria através do espaço interestelar. Pois é essa
matéria que, fazendo parte da Terra, é
encontrada em nossos ossos e órgãos.
O interessante é que essa matéria, composta de prótons, nêutrons e elétrons,
não tem muita relevância cósmica. Sem
dúvida, é ela que compõe as estrelas e
nuvens de gás que observamos pelo Universo afora. Mas esse tipo comum de
matéria, que é chamada de matéria bariônica, não consiste em mais do que 1/6
da matéria total existente no Universo. A
maior parte não tem nada a ver com a
matéria da qual nós somos feitos. Não é
composta de prótons e elétrons e não
forma astros luminosos, como estrelas.
Nós só percebemos a sua existência através da atração que ela exerce sobre a matéria luminosa comum. Por isso, esse tipo exótico de matéria é conhecido como
matéria escura. Um dos grandes desafios
da física moderna é desvendar a natureza dessa matéria. Se ela não é feita de átomos comuns, do que é feita?
Antes de abordarmos essa questão, vale notar que planetas, asteróides, ou outros astros que não produzem a própria
luz (como fazem as estrelas), mesmo se
feitos de átomos comuns, também são
matéria escura. Eles são considerados
matéria escura bariônica, menos interessante e já incluída no 1/6 mencionado
acima. Portanto, quando falamos em
matéria escura exótica, nos referimos
àquela que não é composta de prótons e
elétrons, os outros 5/6 da matéria cósmica, de composição desconhecida.
A maior pista que temos da existência
de matéria escura é obtida quando se observa como as galáxias giram. Como tudo mais no cosmo, galáxias também giram em torno de seu eixo central. A velocidade de rotação é medida observando-se a luz de estrelas posicionadas a distâncias variáveis do centro. Se a galáxia fosse
feita de matéria bariônica comum, a velocidade chegaria a um valor máximo a
uma certa distância, e cairia em direção à
borda. O que se observa é que a velocidade cresce e chega a um valor aproximadamente constante, sem diminuir na
proximidade da borda. A explicação
mais plausível é que existe mais matéria
na galáxia do que a que produz luz. Essa
matéria escura circunda a galáxia como
um véu invisível, cuja massa altera a sua
velocidade de rotação. As observações
confirmam que todos os tipos de galáxia
têm esse comportamento. A matéria escura está por toda parte.
Uma das teorias mais aceitas é que essa
matéria escura é composta por partículas submicroscópicas exóticas, muito diferentes dos prótons e elétrons que formam os átomos normais. Caso isso seja
verdade, deveria ser possível detectá-las
aqui na Terra, na medida em que nosso
planeta passeia pelo véu de matéria escura circundando a galáxia. Vários grupos
de pesquisa, incluindo um na Universidade da Califórnia em Berkeley e outro
na montanha de Gran Sasso, na Itália,
vêm caçando essas partículas exóticas,
até o momento sem sucesso. (Houve um
alarme falso há um tempo na Itália, que
causou grande alvoroço na comunidade
científica.)
A idéia é ter um detector de partículas,
feito de cristais de germânio (material
que se usa também em chips de computador) mantidos a baixíssimas temperaturas. O detector possui uma superfície
coletora, como uma rede, que tem a probabilidade de absorver um certo número
de partículas de matéria escura por mês.
Quando a partícula se choca com os
núcleos dos átomos de germânio, ela faz
eles vibrarem e sua energia de movimento é transformada em energia de vibração do cristal. Por sua vez, essa energia
de vibração é transformada em energia
térmica. Dessas variações pode-se obter
a direção original da partícula e a sua
massa. Segundo os caçadores de matéria
escura, uma detecção decisiva ocorrerá
em breve. Nesse caso, a astrofísica estará
abrindo uma nova janela para a física de
partículas, numa belíssima união do micro com o macro. No meio-tempo, a matéria escura continua obscura.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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