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Ciência em Dia
Mosquitos transgênicos em "Jurassic Park"
Marcelo Leite
editor de Ciência
Parece filme de ficção científica, do
gênero "Jurassic Park": alterar os genes de mosquitos para que eles se tornem incapazes de transmitir doenças
que flagelam populações pobres do Terceiro Mundo, como malária e dengue.
A idéia não é nova, mas ganhou alento
com a publicação do genoma do principal vetor da malária na África, o Anopheles gambiae (no Brasil, predomina o primo A. darlingi), há cerca de um mês. (Na
mesma semana foi divulgada a sequência de DNA do mais letal micróbio causador da malária, o Plasmodium falciparum; em terras brasileiras, é mais comum o P. vivax, menos mortal.)
Além do impulso, os mosquitos transgênicos ganharam também críticas.
As objeções vieram de entomologistas,
os especialistas no estudo de insetos, e
ganharam destaque numa reportagem
de Martin Enserink que saiu no mesmo
número da revista "Science" (4.out.2002,
vol. 298, págs. 92-93) com o genoma do
mosquito. Eles se queixam de que a ciência da moda (biologia molecular) carreia
o grosso dos recursos de pesquisa para
estratégias que empreguem engenharia
genética, como a transgenia de mosquitos (inserção de genes que impeçam a
multiplicação do plasmódio no interior
do mosquito).
Na opinião dos entomologistas, a estratégia, para dar certo, precisaria responder a uma série de questões que nem
estariam sendo formuladas. Veja a relação compilada por Enserink:
"Os mosquitos projetados serão capazes de sobreviver no ambiente selvagem,
por exemplo? De se dispersar, encontrar
parceiros, ter prole viável? Em caso afirmativo, quanto tempo demoraria para
que seus genes de resistência ao parasita
se disseminassem? Ajudaria se os mosquitos resistentes tivessem menos parasitas na saliva do que os selvagens, ou teriam de ser completamente resistentes?
Qual parcela da população teria de se
tornar transgênica para realmente fazer
uma quebra na taxa de transmissão da
malária? E qual o risco de que sua nova
bagagem genética os transforme em vetores para outras doenças?"
A última questão decerto é a que mais
chama a atenção do leigo, por sua semelhança com o cenário "Jurassic Park".
Pode ser de probabilidade remota, mas a
perspectiva de um efeito devastador tende a sufocar mesmo as mais sóbrias análises estatísticas. Se até os entomologistas
acham que esse tipo de risco tem de ser
excluído, por que razão as pessoas comuns teriam de embarcar no trem da
alegria transgênica?
No Brasil, uma das maiores especialistas nessa estratégia é Margareth de Lara
Capurro, da USP. Ela discorda da analogia com o filme de Steven Spielberg: "[Isso" não é ciência. O que a gente mais faz é
controle". Capurro concorda, porém,
que a colaboração com entomologistas e
ecólogos é fundamental para definir a estratégia de introdução dos insetos modificados na natureza. E diz que seu grupo
se encontra exatamente nessa fase de
aproximação com seus colegas biólogos
de outros departamentos.
A pesquisadora da USP defende a pesquisa com mosquitos transgênicos até
no caso de ela jamais dar certo: "Mesmo
que nunca se consiga uma estratégia ecológica, como você faria para testar esse
monte de coisas dentro dos mosquitos?"
-questiona, referindo-se ao que a pesquisa revela sobre as moléculas preferidas do mosquito e do plasmódio.
Boa pergunta -tão boa quanto as da
reportagem de Enserink.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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