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+ciência
Nova coletânea de ensaios de Richard Dawkins, "A Devil's Chaplain",
ataca com virulência dos inimigos de Darwin às terapias alternativas
Um polemista endiabrado
Elizabeth Daiziel - 11.jan.2001/Associated Press
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O zoólogo e ensaísta britânico Richard Dawkins |
Claudio Angelo
editor-assistente de Ciência
Richard Dawkins é um desses autores irritantes.
Para convencer o leitor de suas idéias, o zoólogo
britânico recorre a todo tipo de truque: exagera
posições, simplifica argumentos, abandona o
politicamente correto e fica por pouco (muito pouco
mesmo) de chamar o leitor de estúpido. Mais difícil do
que não se exasperar com isso, no entanto, é não se deixar seduzir pela prosa diabolicamente elegante e direta
de Dawkins e pela sua clareza de raciocínio. Ame-o ou
odeie-o, ele é o maior divulgador de ciência vivo.
Titular da cadeira de comunicação pública da ciência
da Universidade de Oxford, defensor incondicional do
darwinismo como verdade suprema e provocador profissional, Dawkins vem incomodando muita gente ao
menos desde 1976. Naquele ano, publicou "O Gene
Egoísta", hoje um clássico. O livro desenvolve a tese do
também britânico George C. Williams de que a seleção
natural se dá pela competição não entre organismos,
mas entre unidades de replicação -os genes.
Numa das passagens mais famosas, Dawkins compara seres vivos a simples autômatos a serviço da replicação do DNA, exagero que causou divisões entre os evolucionistas e lhe rendeu a pecha algo injusta de paladino
do reducionismo genético. Pergunte se ele se importou.
De lá para cá, têm sido vítimas da pena do zoólogo todos os religiosos, os criacionistas e qualquer um que ouse levantar dúvidas sobre as teorias de Darwin.
A última diabrura de Dawkins saiu em 2003 no Reino
Unido e nos EUA, sob a forma de uma coletânea de ensaios apropriadamente intitulada "A Devil's Chaplain
- Reflections on Hopes, Lies, Science, and Love" (Um
Capelão do Diabo - Reflexões sobre Esperanças, Mentiras, Ciência e Amor, Houghton Mifflin, US$ 24). Os
textos, alguns inéditos, outros publicados ao longo dos
últimos 25 anos, resumem o pensamento do cientista
sobre vários temas, desde evolução até terapias alternativas, e bem poderiam ter como subtítulo "Dawkins para Principiantes". São numerosos o suficiente para seus
fãs, curtos o bastante para os que ainda se dão o trabalho de resistir a seus argumentos.
O título da obra é emprestado de Charles Darwin
(1809-1882), entidade máxima do panteão dawkinsiano. Numa carta ao amigo Joseph Hooker datada de
1856, o autor de "A Origem das Espécies" se revolta contra os fatos que o levariam a propor a teoria da evolução
pela seleção natural: "Um livro e tanto escreveria um capelão do diabo sobre os trabalhos desastrados, esbanjadores, ineficientes e horrivelmente cruéis da natureza".
Darwin se referia ao processo pelo qual a sobrevivência não-aleatória de variações aleatórias nas espécies dá
as cartas na natureza e é a força responsável pela criação
de todos os seres vivos, dos vírus aos humanos. Boa parte de "A Devil's Chaplain" se dedica a explicar e a defender a idéia, que chocou o próprio Darwin e que ainda
encontra opositores em pleno século 21.
Um dos ensaios, "Darwin Triunfante", explora o universalismo da evolução -segundo Dawkins, o único
tema que seres superiores de outro planeta teriam interesse em debater com os habitantes da Terra. Apesar de
o próprio Darwin desconhecer os genes e seu papel central na evolução e de a teoria ter sido modificada no início do século 20, postula o zoólogo, o núcleo de seu
enunciado não só sobrevive como é a única ferramenta
teórica sustentada por evidências capaz de explicar a
origem e a diversidade da vida.
Uma das ladainhas do capelão demoníaco que os antidarwinistas acham difícil de engolir (e que ele faz o leitor degustar e digerir como um doce) é o gradualismo,
ou seja, o fato de que a evolução se dá pelo acúmulo de
pequenas mutações num tempo extraordinariamente
longo. Os criacionistas modernos, que defendem a hipótese de um designer consciente por trás de órgãos
complexos como o cérebro e o olho, têm proposto que a
suposta "ordenação" cega do caos genético viola a segunda lei da termodinâmica, segundo a qual a desordem de qualquer sistema tende a aumentar.
Dawkins já dedicou um livro inteiro ("O Relojoeiro
Cego", de 1986) a desmontar a falácia neocriacionista.
Retornando ao tema, ele compara os arranjos genéticos
possíveis a uma biblioteca, na qual há muito mais estados reconhecíveis como desordenados do que como ordenados. O bibliotecário, no caso dos seres vivos, é a
adaptação para sobreviver. Como só os organismos
bons o bastante sobrevivem e se reproduzem, as mutações viáveis sempre estarão na vizinhança do espaço genético, não em um ponto obscuro e inalcançável qualquer da biblioteca.
A aula de biologia evolutiva de "The Devil's Chaplain"
continua na série de ensaios dedicados ao mais célebre
adversário intelectual de Dawkins: o paleontólogo americano Stephen Jay Gould, morto em 2002. O livro reproduz resenhas do biólogo inglês para livros de Gould,
pelas quais flutuam qualificativos como "estimulante" e
"bagunça lamentável" -com ligeira vantagem numérica para o último tipo.
Também são expostos os principais pontos de atrito
entre os dois autores, como a questão da evolução progressiva (negada por Gould e defendida até certo ponto
por Dawkins) e a do papel dos genes na seleção natural.
E o único ponto de união: a defesa da evolução contra o
criacionismo, cujos bastidores, em forma de correspondência interrompida pela morte de Gould, são revelados por Dawkins no livro.
Sobram ataques também às religiões, em especial aos
três grandes credos monoteístas, e ao relativismo cultural. Numa de suas alfinetadas típicas, o ensaísta desafia:
"Mostre-me um relativista cultural [voando] a 10 mil
metros de altitude e eu lhe mostrarei um hipócrita... Se
você está viajando para um congresso de antropólogos
ou de críticos literários, a única razão pela qual você não
vai despencar num campo arado é porque engenheiros
ocidentais cientificamente treinados acertaram nas
contas". Num outro texto, escrito após 11 de setembro
de 2001, Dawkins assume um papel mais literal de diabo
e conclama seus leitores a se erguerem contra a "perigosa enganação coletiva da religião".
Mas o que o capelão tem a oferecer em troca? A liberdade. Para Dawkins, a ciência -e só a ciência- fornece a capacidade de contemplar sem véus a natureza e de
se rebelar contra o poder dos replicadores egoístas e as
implicações do processo cego e cruel que culminou no
desenvolvimento do cérebro humano. "A alternativa
demoníaca proposta pelo meu capelão do diabo amadurecido é arriscada. Você se arrisca a perder ilusões reconfortantes: não pode mais sugar a chupeta da fé na
imortalidade. A recompensa é ganhar "crescimento e felicidade'; a alegria de saber que você cresceu, encarando
o significado da existência; do fato de que ela é temporária, o que a torna ainda mais preciosa."
Há grandeza nessa visão da vida.
A Devil's Chaplain - Reflections on Hopes, Lies,
Science, and Love
de Richard Dawkins
263 págs. US$ 24
Onde comprar: www.amazon.com
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