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Ciência em Dia
A gosma de US$ 3,7 bilhões
Marcelo Leite
editor de Ciência
Nanotecnologia -você ainda vai ouvir falar muito dela. Entre outras razões, porque o presidente norte-americano, George W. Bush, decidiu no final
do ano passado assinar a Lei de Pesquisa
e Desenvolvimento de Nanotecnologia
do Século 21, que destina US$ 3,7 bilhões
(quase R$ 11 bilhões) a esse campo nos
próximos cinco anos.
É muito dinheiro, em termos absolutos
e relativos. Para comparação, basta dizer
que essa dotação anual é superior ao orçamento inteiro de 2003 do MCT, o Ministério da Ciência e Tecnologia brasileiro, de menos de R$ 2 bilhões. Questão de
prioridade, seria o caso de dizer, assim
como de disponibilidade de recursos e
de visão estratégica.
No Brasil, o MCT resolveu distribuir
entre dezenas de laboratórios -para
"descentralizar"- uma verba centenas
de vezes menor, R$ 8 milhões. Parece nada, mas é bom lembrar que, com pouco
mais do que isso, pesquisadores brasileiros conseguiram marcar alguns tentos
no campo da genômica, identificando
nichos ainda não ocupados. Como é difícil imaginar que a nanotecnologia nacional consiga tirar o pé do lodo em que
chafurda o país, é melhor alternar para
seu aspecto, por assim dizer, gosmento.
A nanotecnologia, ou pesquisa com
dispositivos na escala do milionésimo de
milímetro (nanômetro), tem motivado
algumas previsões aterrorizantes, como
a de que nanorrobôs auto-replicantes
viessem a cobrir a Terra com uma gosma
cinza. Esse fantasma da "gray goo" foi
aventado há alguns anos por Bill Joy, da
empresa de computadores Sun.
A imagem tenebrosa virou emblema
de possíveis efeitos não-pretendidos da
nanotecnologia. Escaldados pelos inúmeros problemas enfrentados pela indústria nuclear e pela biotecnologia, os
pesquisadores da nova área estão levando a sério esse espantalho.
A Fundação Nacional de Ciência (NSF)
dos EUA, por exemplo, já organizou dois
workshops para debater "Efeitos Sociais
da Nanociência e da Nanotecnologia", o
último deles de 3 a 5 de dezembro.
Uma das conclusões, segundo a revista
"The Scientist" (www.the-scientist.com), é que os mecanismos de supervisão e controle da pesquisa já existentes
seriam suficientes para dar a devida expressão a preocupações de ordem ética e
ambiental, como invasão da privacidade
por nanodispositivos e danos à saúde
respiratória por nanotubos de carbono.
"Há muita hipérbole e ansidedade",
disse à revista George Whitesides, químico da Harvard University, mesmo admitindo que há questões sociais a debater. "A "gosma cinza" e as visões apocalípticas são em grande medida irracionais."
Já Roger Kasperson, especialista em
risco do Stockholm Environment Institute e da Clark University, disse que a nanotecnologia tem potencial enorme tanto para riscos quanto para benefícios e
que os riscos só poderão ser bem avaliados à medida que a pesquisa avançar.
Enquanto isso, a dimensão do risco tal
como percebida pela público será tanto
maior quanto menor for a confiança na
independência e na competência das autoridades responsáveis pela fiscalização
da nova seara tecnocientífica.
Para chegar lá e cumprir todas as suas
promessas de maravilhas sem alienar a
simpatia do público, os nanocientistas
terão de gastar muita saliva e estudar as
virtudes da transparência, antes de seus
fatos serem consumados -exatamente
o oposto do que fizeram os colegas nucleares e biotecnólogos.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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