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DUPLA DE PESQUISADORES SUGERE QUE O MATERIAL FOI A MOLA-MESTRA
DA REVOLUÇÃO CIENTÍFICA E INDUSTRIAL EUROPÉIA DE 1200 A 1850
O VIDRO EXPLICA
Nasa
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Telescópio espacial Hubble, um dos maiores trunfos da óptica no século 20, que capta luz em um espelho de vidro |
Ricardo Bonalume Neto
da Reportagem Local
Não há explicações fáceis para certos fatos históricos. Por que foi na Europa, e não no resto do planeta, que houve uma revolução cultural, outra
científica, acompanhada por uma militar e seguida de mais outra, industrial? Tudo no período de 1200 a
1850, uma mera fração da história humana.
Existem causas próximas, existem causas mais remotas.
Há fatores econômicos, há os culturais -e existe o óbvio
debate sobre a sua importância relativa.
Existem invenções seminais. A roda é uma óbvia delas.
A pólvora é outra. Mas dois autores argumentam que, por
trás do sucesso dos europeus, está um elemento prosaico
da vida moderna, um "herói" cujas glórias ninguém fez
muita questão de cantar: o vidro.
E há também a tecnologia, e as técnicas que permitem a
obtenção de mais conhecimento -que se transforma em
poder, metamorfoseado em navios mais capazes, em armas mais letais, em remédios mais eficientes, que facilitaram a expansão européia.
A revolução cultural foi o Renascimento, e sua redescoberta do humanismo greco-romano. A revolução militar
ainda tem suas datas de início e fim debatidas, mas significou o "modo europeu de guerrear", que conquistou o resto do mundo depois que Vasco da Gama chegou na Índia
e Cristóvão Colombo na América no final do século 15.
A revolução científica transformou a visão humana do
mundo, de mística-autoritária para cética-discutível. E o
conhecimento gerado serviu para criar novas ferramentas
que deixavam de depender de músculos -animais ou humanos- para usarem energia físico-química, como os
motores a vapor e de combustão interna.
O vidro deu a base para ocorrerem essas revoluções. E
graças a elas, os europeus -e suas colônias ultramarinas
povoadas principalmente por europeus, como os Estados
Unidos- passaram a ser hegemônicos no mundo.
Essa é a tese de Alan Macfarlane, antropólogo da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e de seu colega
Gerry Martin, um industrialista e colecionador de instrumentos científicos recentemente morto. Os dois defenderam a tese em um livro publicado em 2002, "The Glass
Bathyscaphe" ("O Batiscafo de Vidro", ainda sem tradução para o português), e, mais recentemente, em um artigo na revista científica norte-americana "Science"
(www.sciencemag.org), publicado na última sexta-feira.
Uma versão preliminar do livro, assim como diversos vídeos ligados ao vidro, podem ser vistos na página do antropólogo na internet (www.alanmacfarlane.com).
Choque de civilizações
A resposta a essa pergunta
acadêmica feita no primeiro parágrafo tem importância
prática e política nos dias de hoje. Pois essa civilização ocidental, ao mesmo tempo judaico-cristã e secular, está sob
ataque de obscurantismos, vindos tanto de fora, como de
dentro. Se, por um lado, tornou-se praxe descrever os radicais islâmicos como "fundamentalistas", convém lembrar que o termo surgiu para descrever radicais religiosos
cristãos. O presidente dos EUA, George W.Bush, e seu inimigo número um, Osama bin Laden, podem até não ser
aliados de ocasião, como o documentário "Farenheit 9-11", do americano Michael Moore, indicaria; mas ambos
os homens têm visões de mundo parecidas.
"Vidro e o Confronto de Civilizações" é o curioso título
de um dos capítulos do livro da dupla, no qual eles comentam como as técnicas européias de produção de vidro não
chegaram a ser assimiladas no Oriente. Falam os autores:
"Primeiro, há a pergunta do que exatamente nós queremos dizer com "revolução científica" e "Renascimento". A
"revolução científica" deve, de fato, ser dividida em duas
partes. A primeira ocorreu aproximadamente entre 1250 e
1400 e consistiu em diversos fatores, incluindo a absorção
do conhecimento grego por meio dos autores árabes, pelo
desenvolvimento das universidades, pela melhoria de ferramentas lógicas, por um interesse crescente pela precisão
e pela exatidão, por uma sofisticação crescente da química, matemática, física e em particular da óptica, uma ênfase crescente na autoridade da evidência visual observada
do que na autoridade dos antigos como escrito nos textos".
Essa "primeira revolução científica" criou as bases para
o que veio depois -como o método experimental e o ceticismo. Depois, a partir da década de 1590, com os trabalhos de Francis Bacon e Galileu Galilei, e no século seguinte com Robert Hooke, Robert Boyle e Isaac Newton.
Ferramentas
A segunda leva criou a ciência praticamente como ela é hoje, com ênfase em instrumentos científicos para a obtenção de conhecimento. E sem a existência do vidro, não haveria boa parte dos instrumentos que
produziram a revolução.
Macfarlane e Martin selecionaram 20 experimentos
científicos famosos, ao acaso, que tiveram grande impacto
na sociedade. E descobriram que 15 deles seriam impossíveis caso o vidro não existisse.
Por exemplo, o vidro permitiu a invenção do microscópio e do telescópio, com isso criando as bases de disciplinas fundamentais como a microbiologia e a astronomia. E,
sem vidro transparente, como seria possível ler barômetros, termômetros e mesmo cronômetros?
Os autores argumentam que sem barômetros seria mais
complicado estudar o comportamento dos gases. E, sem
vidro, não existiriam nem motores, nem eletricidade. Nem
lâmpadas, obviamente.
Vários povos na Antigüidade desenvolveram o vidro.
Para muitos, ele não passava de um substituto barato de
pedras preciosas. Os romanos foram além, criando um
bom número de aplicações para o vidro, no que foram seguidos pelos venezianos na Idade Média. Nenhuma das
outras grandes civilizações desenvolveu o vidro como os
europeus fizeram então. "Que a revolução do conhecimento dos últimos 500 anos tenha acontecido na Europa
Ocidental e não em outro lugar pode ser atribuído em parte ao colapso da manufatura de vidro em civilizações islâmicas e sua importância diminuída na Índia, no Japão e na
China", dizem Macfarlane e Martin.
Não são os cientistas que fazem diretamente seus instrumentos. Eles dependem de uma indústria local, para a qual
fazem suas encomendas. Mesmo que o pesquisador saiba
do que precisa -um tubo fino e longo e transparente para
encher de mercúrio ou água-, ele só vai conseguir o instrumento se existirem os artesãos capazes de fazê-lo. Era o
que seria necessário para os experimentos do italiano
Evangelista Torricelli sobre vácuo. Mas só na Europa era
possível ter isso -nunca, então, na China, Índia, Japão,
África ou mesmo nas colônias européias nas Américas.
As conclusões da dupla são ousadas: "O vidro transformou a relação total do homem com o mundo natural, e
consigo próprio. Mudou o sentido da realidade, privilegiando a visão sobre a memória, sugeriu conceitos novos
de prova e de evidência, conceitos humanos alterados do
ser e da identidade. O choque da visão nova desestabilizou
a sabedoria convencional, e a visão mais precisa e mais
exata forneceram as fundações para o domínio europeu
sobre o mundo inteiro durante os séculos seguintes".
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