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Ciência em Dia
No País dos Maradonas
Marcelo Leite
editor de Ciência
O Brasil já foi a Terra dos Papagaios, e
seu maior rio, o das Amazonas.
Agora, depois da medida provisória que
liberou -mais uma vez- a soja transgênica da Monsanto, o presidente Lula
deveria enviar ao Congresso uma outra
MP alterando o nome da nação para País
dos Maradonas, depois do golpe de mão
com que mandou às favas não os escrúpulos, ou as regras do futebol (como fez o
craque argentino nas quartas-de-final da
Copa de 1986, contra a Inglaterra), mas
uma decisão judicial em vigor.
Não seria providência capaz de causar
grande escândalo, depois da iniciativa de
alterar a ordem secular de precedência
dos ministérios federais, em que o mais
antigo, da Justiça, cedeu lugar para o
mais poderoso do momento, Casa Civil.
(Coincidentemente, ou não, desse ministro, José Dirceu, era a assinatura que
aparecia no texto errado da MP publicado no "Diário Oficial da União", ao lado
da do presidente em exercício, José Alencar, mas desaparecida da versão republicada na mesma sexta-feira, 26.) É sintomático e coerente que Dirceu se ache,
agora, antes e acima da Justiça.
O novo nome para o país seria tanto
mais apropriado porque a tal soja RR
-Roundup Ready, resistente ao herbicida Roundup, ou glifosato- também é
conhecida como "maradona". Afinal,
70% da soja plantada no Sul é ilegal, contrabandeada que foi da Argentina. Os
schumpeterianos de meia-tigela devem
achar que é demonstração de destruição
criadora, de "empreendedorismo".
Tempos bicudos, estes.
Ilegalidade por ilegalidade, o governo
federal cedeu de novo à chantagem da
bancada gaúcha, para assegurar trânsito
desimpedido às reformas lulo-fernandinas. É cedo para dizer se os neo-neoliberais do PT compõem nova classe social,
como diz o sociólogo Francisco de Oliveira, mas é tarde para descobrir que seu
comitê central já traçou uma linha justa.
Marina Silva, do Ministério do Meio
Ambiente, coadjuvou o jogo de enfeitar a
MP com uma penca de adereços tão verdes quanto impraticáveis. Acredite
quem quiser que só plantarão soja maradona aqueles que já a tinham contrabandeado antes, ou que a RR que não for
vendida até dezembro de 2004 será incinerada, ou que haverá controle dos termos de responsabilidade que a MP manda agricultores assinarem -para não falar da gracinha que é proibir o plantio
em... terras indígenas.
Ninguém precisa perder o sono, porém, com a disseminação da soja RR,
pois ela já é ingerida há tempos e não há
razão para crer que tenha impacto ambiental no Brasil. Não há parentes silvestres por aqui para contaminação com
pólen transgênico, que de resto costuma
fertilizar só o pé de soja de onde saiu. José
Alencar pode experimentar e repetir a
soja maradona, sem grandes problemas.
A pergunta que fica sem resposta: não
havendo risco para o ambiente, por que a
Monsanto e a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) lutam há
cinco anos na Justiça para derrubar a exigência de um estudo de impacto ambiental? Talvez para reter o monopólio
da decisão, mantendo afastados pesquisadores de outras áreas, pois o consenso
pró-biotecnologia só é pleno entre biotecnólogos (assim como homeopatas
são a favor da homeopatia).
Outra possibilidade: não deixar que se
abra um precedente de controle social e
facilitar a passagem, pela porteira aberta,
de transgênicos mais problemáticos, como arroz e milho. No primeiro caso, o
problema se chama arroz vermelho. No
segundo, borboletas. Com a palavra,
ecólogos, agrônomos e entomólogos.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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