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Micro/Macro
Universo às escuras
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Algo escuro e repulsivo controla o
Universo. Em 1998, astrônomos
descobriram que o Universo está em expansão acelerada, como se uma espécie
de antigravidade, em que a matéria sofre
uma repulsão em vez de uma atração, estivesse dominando a dinâmica cósmica.
A descoberta provocou uma onda de
choque na comunidade científica.
Inicialmente, a maioria dos físicos e astrônomos achou que o efeito iria embora, que se tratava apenas de erro nas medidas. Mas a cada ano que passa, o que se
vê é o oposto: as medidas iniciais estavam certas, e a aceleração do Universo
parece estar aqui para ficar.
É importante entender que esses efeitos ocorrem apenas em enormes escalas
de distância, de centenas de milhões ou
bilhões de anos-luz: ninguém vai começar a expandir feito um balão; a Terra
não será arrancada de sua órbita em torno do Sol, ou o Sol da sua em torno do
centro da galáxia; a Via Láctea manterá a
sua estrutura espiral.
Um modo de visualizar a aceleração
cósmica é imaginar o Universo como um
oceano que preenche todo o espaço, onde as ilhas são as galáxias ou aglomerados de galáxias (grupos com muitas galáxias) bem distantes. A gravidade continua sendo atrativa como sempre. As
ilhas não crescem. Mas o oceano tem a
estranha propriedade de querer se estender cada vez mais em todas as direções,
carregando as ilhas com ele.
Que o Universo esteja em expansão
não é novidade; já se sabia disso desde
1929. A surpresa é a taxa com que essa
expansão ocorre, que é muito mais rápida do que o esperado. Mais ainda, as observações mostram que essa aceleração
começou em um determinado momento
no passado, quando o Universo tinha
apenas alguns bilhões de anos (sua idade
atual é de 14 bilhões de anos). Por quê?
A misteriosa força repulsiva é chamada
de "energia escura". Escura pois não podemos vê-la; não emite qualquer tipo de
radiação, o que torna sua observação direta bastante difícil. A aceleração cósmica é detectada através de fontes de luz extremamente poderosas que existem em
galáxias, as supernovas tipo Ia, objetos
que emitem quantidades explosivas de
radiação. Voltando à analogia do oceano, as supernovas são como postes de luz
fincados nas ilhas; quando as ilhas se
afastam devido à expansão, a luz dos
postes vai ficando mais fraca, não só devido à sua maior distância, mas, também, ao efeito Doppler, que faz com que
diminua a freqüência de ondas provenientes de fontes que se afastam (feito o
som da sirene de uma ambulância passando na rua).
Um dos objetivos das observações
atuais e futuras é determinar se a energia
escura sempre teve a mesma intensidade
repulsiva ou se ela muda no tempo. Se a
intensidade foi sempre a mesma, a energia escura é uma constante, que chamamos de constante cosmológica. Caso ela
mude no tempo, ela pode ser modelada
como um campo cuja intensidade varia
com a expansão do Universo.
A idéia de campo aqui é simples, como
a temperatura num quarto: cada ponto
do espaço tem a sua temperatura, de modo que podemos falar no campo de temperaturas do quarto. O campo de energia
escura é chamado quintessência, como a
quinta essência dos gregos. A natureza
da energia escura, campo ou constante,
determina o destino do Universo.
Até agora, em torno de 200 supernovas
foram medidas. O número é alto, mas
ainda insuficiente para resolver a questão. Um projeto da Nasa (Snap, Supernova Acceleration Probe, ou Sonda de
Aceleração das Supernovas), ainda não
definitivamente aprovado devido ao
desvio de verbas por George W. Bush para a exploração humana da Lua e de
Marte, pretende medir a velocidade de
6.000 supernovas a partir de 2010.
Caso a energia escura seja constante no
tempo, e os resultados atuais indicam
que essa possibilidade é a mais provável,
resta entender a origem da constante
cosmológica. Qual poderia ser a fonte
dessa repulsão que age identicamente
em todo o cosmo? Ou, quem sabe, a teoria da gravidade atual, baseada na teoria
da relatividade geral de Einstein, não
funciona a grandes distâncias. Qualquer
que seja a resposta, fica claro que a resolução do mistério abrirá portas para a
compreensão do Universo. As dúvidas
de hoje são o conhecimento de amanhã.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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