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Micro/Macro
Clima apocalíptico
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Há décadas cientistas vêm falando
sobre os perigos do efeito estufa, o
aquecimento da superfície terrestre causado pelo acúmulo de certos gases na atmosfera. A política ambiental americana, como se sabe, é desastrosa. Especialmente no presente governo, controlado
por grupos de interesse ligados à indústria do petróleo. Até o presente, as previsões feitas por cientistas com relação a
mudanças climáticas enfatizaram que
elas são graduais, que os efeitos levariam
décadas para serem percebidos.
Como existe um imediatismo na determinação de políticas ambientais (e todas
as outras), é sempre mais fácil empurrar
essas previsões futuras para o lado, fazendo vista grossa para os sinais já existentes das mudanças que estão por vir.
"Temos problemas muito sérios agora.
Não dá para ficar pensando no que pode
ocorrer no futuro", diria um político sem
conhecimento da ameaça climática.
As previsões de que as mudanças serão
graduais estão sendo modificadas. Segundo novas pesquisas, podem ocorrer
bem mais abruptamente do que o previsto. Em 2002, a Academia Nacional de
Ciências dos EUA publicou relatório
atestando que o clima pode mudar rapidamente. No Fórum Econômico Mundial do ano passado em Davos, Suíça,
Robert Gagosian, diretor do Instituto
Oceanográfico de Woods Hole (EUA),
fez palestra alertando as autoridades
mundiais sobre a possibilidade de que
mudanças climáticas radicais ocorram
em duas décadas, caso nada seja feito para controlar a emissão de gases-estufa.
Os indicadores incluem o derretimento acelerado das calotas polares e das geleiras alpinas e primaveras prematuras
nas latitudes ao norte do planeta. A influência mais dramática do aquecimento
global é na chamada corrente do Golfo,
que circula dos trópicos ao Atlântico
Norte e afeta o clima da Europa e o leste
da América do Norte.
Na medida em que a corrente flui para
o norte, ela libera calor, tornando-se
mais densa. Um líquido mais denso sempre afunda quando em contato com outro menos denso, como mel em água. A
corrente, mais densa, afunda na região
do Atlântico Norte, circulando de volta
aos trópicos, onde ela é reaquecida antes
de fluir outra vez para o norte.
Quando a temperatura global aumenta, esse processo é modificado: com o degelo das calotas polares e geleiras, mais
água doce entra no oceano, diminuindo
a salinidade e a tendência de afundar. Isso pode interromper o circuito da corrente, provocando mudanças climáticas
no hemisfério Norte similares às que
ocorreram nos períodos glaciais.
Claro, não foi a poluição causada pelo
homem que provocou a glaciação que
ocorreu entre 78 mil e 13 mil anos atrás.
Na verdade, não se sabe ainda exatamente o que a causou. Até bem recentemente, acreditava-se que o resfriamento teria
ocorrido no planeta inteiro. Mas o estudo de certas camadas rochosas da Nova
Zelândia mostrou que o hemisfério Sul
não sofreu resfriamento comparável ao
Norte, cujas temperaturas médias caíram mais de 7C. Parece pouco, mas não
é. Durante a Idade do Gelo, a maior parte
da América do Norte e da Europa foi coberta por uma espessa camada de gelo.
A indústria cinematográfica americana, como não poderia deixar de ser, já está preparando o superfilme-desastre, para julho de 2004. Nele, o ator Dennis
Quaid faz o papel de um cientista que
tenta salvar o mundo de uma catástrofe
climática de dimensões apocalípticas,
causada justamente por uma nova Idade
do Gelo desencadeada pelo efeito estufa.
Segundo estimativas ainda bem preliminares, se a corrente parar de esquentar
os países do Atlântico Norte, icebergs
poderão ser vistos em Portugal. (E os
portugueses vão querer voltar para cá.)
Se o aquecimento não for tão extremo,
poderá causar uma Mini-Idade do Gelo,
como a que ocorreu entre 1300 e 1850,
com invernos rigorosos, tempestades
devastadoras e grandes secas.
Longe de mim querer ser alarmista
bem antes do Carnaval. Mas a questão
climática não pode ser deixada de lado.
Não é este o mundo que queremos deixar para as futuras gerações.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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