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DIÁRIO MANTIDO EM SEGREDO PELA "ÚLTIMA NAMORADA'
DO FÍSICO, JOHANNA FANTOVA, VEM À TONA EM PRINCETON
E REVELA UMA PESSOA COMUM, PREOCUPADA COM
A SAÚDE, COM O AMIGO ROBERT OPPENHEIMER E COM O PRÓPRIO IMPACTO NA POLÍTICA E NA CIÊNCIA
Retrato do gênio na terceira idade
Arquivo Associated Press
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O físico Albert Einstein em sua casa em Princeton, dias antes de completar 70 anos de idade |
Dennis Overbye
do "New York Times"
Em Princeton, ela era conhecida como a última
namorada de Albert Einstein. Cortava seu cabelo,
embora possa parecer chocante imaginar alguém
mexendo naquela pequena auréola cósmica. Velejavam juntos, até os médicos lhe tirarem o barco. Iam
a concertos juntos. Ele lhe escreveu cartas e poemas carregados com piadas e beijos. Telefonava várias vezes
durante a semana, para conversar com ela sobre como
havia sido o seu dia. Agora se descobriu que ela também
tomou nota de tudo isso num diário.
Em fevereiro deste ano, bibliotecários encontraram
um manuscrito de 62 páginas no qual Johanna Fantova,
uma ex-curadora de mapas da Biblioteca Firestone, de
Princeton, 22 anos mais nova que Einstein, anotou suas
reflexões, opiniões e reclamações sobre o último ano e
meio da vida dele. Ela morreu no ano de 1981.
"A não ser que uma descoberta similar seja feita no futuro, esse novo manuscrito da Biblioteca Firestone é o
único diário que uma pessoa próxima a Einstein manteve, ao menos sobre essa fase final da vida dele", escreve
Alice Calaprice em um artigo com a descrição do texto
que será publicado neste mês na revista da Biblioteca de
Princeton. Calaprice, ex-editora na Universidade de
Princeton, está publicando os arquivos de Einstein.
Informações pessoais
Os originais escritos à máquina, em alemão, foram achados nos arquivos pessoais de Fantova por estudiosos em busca de informações pessoais para incluir num artigo de revista sobre os
poemas que Einstein havia escrito para ela. Hoje estão
na Biblioteca Firestone, à disposição dos acadêmicos.
O diário faz uma espécie de retrato do gênio na terceira idade. De certa forma, o mais interessante nele é mostrar como Einstein era uma pessoa comum. "O diário
fala basicamente sobre como os ossos dele doíam aos 80
anos e sobre quem foi visitá-lo", disse Donald C. Skemer, curador de manuscritos da Firestone (Einstein
morreu em abril de 1955, aos 76 anos). "O segredo da
teoria unificada dos campos não está ali", completa
Skemer, fazendo referência às tentativas quixotescas de
Einstein, no final da vida, para escrever uma equação
capaz de explicar todas as forças da natureza.
Freeman Dyson, físico e matemático do Instituto de
Estudo Avançado de Princeton, no qual Einstein trabalhou durante 22 anos, chamou a descoberta de "retrato
sem retoques de Einstein lutando bravamente com as
inconveniências da idade e da doença". Einstein se
compara a um carro velho, que tem problemas em todas as partes, reclama da sua má memória e do contínuo fluxo de visitantes -tantos que muitas vezes ele
fingia estar doente, de cama, para não ter de posar para
as obrigatórias fotografias.
Entre seus visitantes, desconfiava do diplomata Adlai
E. Stevenson, cuja conversa achava pomposa, e se referiu a outro visitante, o ganhador do Nobel de Física,
fundador da mecânica quântica e chefe do projeto nazista da bomba atômica, Werner Heisenberg, como um
"grande nazista". Einstein desdenhava abertamente da
corrida nuclear e da cruzada anticomunista do senador
norte-americano Joseph R. McCarthy. Ao ler certa vez
que McCarthy suspeitava de subversão dentro de seu
próprio comitê, Einstein comentou que o resultado seria semelhante ao da Revolução Francesa: "Ganha
quem enforcar o outro primeiro". Ele se referia a si mesmo como um "revolucionário" político. "Ainda sou o
Vesúvio cuspindo fogo."
Einstein pôs o mundo a seus pés quando, em 1919, astrônomos britânicos observaram a luz se curvar em torno do Sol durante um eclipse, confirmando sua teoria
da relatividade geral. Ele se tornou a principal -e talvez
única- atração turística de Princeton em 1933, quando
chegou à cidade, fugido da Alemanha nazista, com um
séquito que incluía sua segunda mulher, Elsa, a filha dela, Margot, e sua secretária Helen Dukas, para assumir
um posto no então recém-inaugurado Instituto de Estudo Avançado. Elsa morreu em 1936, mas houve mulheres na vida de Einstein antes e depois dela.
Na América, trabalho
Fantova, que nasceu em 1901
no que é hoje a República Tcheca com o nome de batismo de Johanna Bobasch, conheceu Einstein em 1929, de
acordo com seu diário. (Seu marido, Otto Fanta, era filho de Otto e Bertha Fanta, anfitriões de um famoso salão em Praga, cujos convidados incluíam Einstein e
Franz Kafka.) Einstein deu a ela o trabalho de organizar
sua biblioteca pessoal e depois a levou para velejar em
sua casa de verão em Caputh, na Alemanha.
Quando Johanna chegou a Princeton em 1939, ela
anota no diário, foi questionada por Einstein sobre o
que iria fazer: "Você sabe que vai ter de trabalhar, na
América". Após estudar biblioteconomia na Universidade da Carolina do Norte, ela conseguiu trabalho na
Biblioteca Firestone em 1944 e se tornou a primeira diretora de mapas da instituição, em 1952.
Seu relacionamento diário com Einstein parece ter
começado no final da década de 1940 e prosseguido até
a morte dele. Einstein estava com aproximadamente 70
anos anos, e ela, no início dos 50. "Ela estava sempre lá",
disse Gillett G. Griffin, um curador aposentado no Museu de Arte da universidade que era freqüentemente
convidado para jantar na casa de Einstein. Griffin disse
acreditar que, para Einstein -que sentia falta da Europa pré-Segunda Guerra Mundial e que nunca se sentiu
em casa em Princeton-, ela era parte do Velho Mundo. "Ela lia Goethe para ele", diz Griffin. "Era uma ligação com as coisas das quais ele sentia falta."
Após a morte de Einstein, em 1955, Fantova vendeu
suas cartas e poemas, assim como uma pasta de fotografias, para Griffin, que as doou à Biblioteca Firestone.
As cartas, abertas em 1996, não foram publicadas, embora acadêmicos as tenham lido na Firestone. Elas foram escritas principalmente durante as férias de
Fantova em Long Island e estão recheadas de reclamações sobre dores, de acordo com Calaprice. Os poemas,
muitos deles incluídos no diário de Fantova, são divertidos, cheios de trocadilhos e piadas à custa do próprio
Einstein. Para Griffin, Einstein havia escrito os poemas
com a finalidade de animar Fantova, a quem ele descrevera como tendo um "visão negra" da vida.
Ninguém sabia que Fantova havia mantido anotações
de suas conversas com Einstein. Ela escreve no diário
que, primeiramente, resistiu à idéia de manter um diário, mas depois decidiu que tais "monólogos" deveriam
ser preservados e publicados. "Eles deveriam servir para lançar luz adicional sobre o nosso entendimento de
Einstein -não do grande homem que se tornou uma
lenda em vida, não do Einstein cientista renomado, mas
do Einstein humanista." Mas o diário nunca foi publicado, e, quando Fantova morreu, o manuscrito e o restante de seus papéis pessoais acabaram no arquivo pessoal de Fantova na biblioteca.
Casais famosos
Depois que as cartas de Einstein e os
poemas foram abertos em 1996, a revista da biblioteca
de Princeton conseguiu permissão da Universidade Hebraica de Jerusalém, que tem os direitos de publicação
dos escritos de Einstein, para incluir os poemas em uma
série de artigos sobre casais famosos. Na busca de informações sobre Fantova, Alfred Bush, curador aposentado da biblioteca, consultou os arquivos pessoais dela
em fevereiro. Segundo Skemer, houve rumores sobre o
diário durante anos. Quando soube da descoberta, lembra ter dito: "Espere aí, era disso que estávamos atrás".
"Eu sou um homem completamente isolado, e, apesar de todo mundo me conhecer, há poucas pessoas que realmente me conhecem"
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O diário de Fantova mostra altos e baixos da vida doméstica de Einstein. Em seu 75º aniversário, 14 de março de 1954, um papagaio foi enviado por um instituto de
medicina em meio à enxurrada de presentes do mundo
inteiro. Einstein gostou da ave, a quem chamou de Bibo,
mas achou que o pássaro estava um pouco deprimido e
tentou animá-lo contando piadas. Um ano depois, Bibo
retribuiu os esforços adquirindo e transmitindo ao físico uma infecção. Einstein ficou preocupado, pois achava que as 13 injeções necessárias para curar o papagaio
poderiam matar o animal, e ficou exultante quando o
pássaro melhorou, após somente duas injeções.
Einstein também estava preocupado com o destino
de seu amigo J. Robert Oppenheimer, diretor do Instituto de Estudo Avançado e ex-chefe do esforço americano para construir a bomba atômica, durante a Segunda Guerra Mundial, que estava sendo atacado por suas
inclinações tidas como esquerdistas. Oppenheimer acabou perdendo acesso a informações reservadas e foi defenestrado da Comissão de Energia Atômica. Sabendo
que Oppenheimer conhecia mais de energia atômica do
que qualquer outra pessoa, Einstein deu um novo nome
à comissão: "Conspiração de Extermínio Atômico".
Mas se chateava com Oppenheimer, que levava a situação muito a sério. "Oppenheimer não é um cigano como eu", disse a Fantova um dia. "Nasci com a pele de
um elefante. Ninguém pode me machucar." Críticas,
disse Einstein, passavam por ele como água.
Anacronismo vivo
No final, os diários relatam,
Einstein estava preocupado com o fato de seu nome significar ao mesmo tempo muito e pouco para o mundo.
Recusou um prêmio soviético pela paz, pois temia ser
chamado de bolchevique, e também se recusou a escrever uma carta contra uma guerra preventiva com a China, dizendo que suas palavras não teriam efeito algum.
No campo da ciência, ele sabia que seus colegas o consideravam um anacronismo. Em 1953, a atenção tinha
se transferido da relatividade geral para a física nuclear.
Usando as estranhas leis da mecânica quântica, físicos
modernos estavam partindo átomos, construindo
bombas e descobrindo dúzias de novas partículas elementares. As revisões e mais revisões da sua teoria unificada dos campos pareciam cada vez mais abstrusas e
irrelevantes a seus colegas físicos.
"Os físicos dizem que eu sou um matemático, e os matemáticos dizem que eu sou um físico", desabafou a
Fantova. "Eu sou um homem completamente isolado,
e, apesar de todo mundo me conhecer, há poucas pessoas que realmente me conhecem."
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