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Ciência em Dia
A sustentável liberdade de ler
Marcelo Leite
editor de Ciência
Um grande debate -sobre o custo
do acesso à literatura científica-
sacode o setor das publicações internacionais que os pesquisadores brasileiros
mais anglófilos preferem chamar de
"journals" e que os incautos traduzem
como "jornais". São aquelas revistas que
realizam o trabalho de separar o joio do
trigo científico e de publicar só o trigo
(contradizendo uma célebre frase de
Mark Twain sobre a publicação do joio).
Isso é feito por meio do processo de revisão pelos pares -vá lá, "peer-review"-, em que a qualidade dos trabalhos submetidos é avaliada anonimamente por especialistas da área, antes de
serem aceitos para publicação. Não chega a ser perfeito, mas tem funcionado.
É um mercado milionário, hoje, como
fica evidente no sucesso de publicações
como a britânica "Nature" (www.nature.com) e a norte-americana "Science"
(www.sciencemag.org), cuja circulação
mundial anda na casa das centenas de
milhares de exemplares. Já os leitores são
provavelmente milhões, porque esse é o
tipo de revista que se consulta em bibliotecas, ou por meio eletrônico no local de
trabalho. Com isso, elas alcançam dezenas de leitores por exemplar. As assinaturas institucionais multiusuário são caras, de US$ 1.000 para cima.
Esse sistema começou a entrar em crise, ou pelo menos passou a ser questionado na prática, com a criação de revistas de acesso livre ("open access", em inglês). O movimento foi lançado nos Estados Unidos por um Nobel, Harold Varmus, e resultou na criação da "PLoS"
(Public Library of Science, ou biblioteca
pública de ciência), com revistas eletrônicas como a "PLoS Biology"
(www.plosbiology.org). Nesse caso, em
lugar de ser sustentado por assinaturas e
publicidade impressa, o modelo econômico se baseia no pagamento dos custos
de publicação pelos próprios autores,
que desembolsam US$ 1.500 por artigo.
Uma das primeiras preocupações suscitadas pelo novo modelo foi a dificuldade adicional que criaria para cientistas de
países menos desenvolvidos, mas instituições de fomento à pesquisa já manifestaram a disposição de custear suas tarifas. O acesso livre tem sido bombardeado, obviamente, pela direção das casas
editoras científicas mais tradicionais, como o Grupo Editorial Nature. Seu argumento central é que, para se sustentar
como negócio, publicações de acesso livre teriam de cobrar muito dos autores,
até mais de US$ 50 mil por artigo.
Essa crítica acaba de sofrer um sério
abalo com a divulgação de um relatório
do Wellcome Trust, entidade financiadora de pesquisa do Reino Unido e um
dos esteios do Projeto Genoma Humano. Simpático ao acesso livre, o Wellcome encomendou uma análise econômica dos dois modelos de publicação.
Segundo o relatório, que pode ser baixado pela internet (www.wellcome.ac.uk/en/images/costs_business_7955.pdf), seria possível criar e manter
revistas de alta qualidade e impacto com
tarifas de menos de US$ 2.000, contra
mais de US$ 2.600 no sistema tradicional. "A evidência apresentada parece
contradizer muitas das cifras citadas por
editores comerciais e me força a questionar quanto lucro deveria ser obtido na
publicação de pesquisas científicas, que
carregam um benefício potencial para
todos nós e são financiadas com dinheiro público", disse Mark Walport, diretor
do Wellcome Trust, ao portal de divulgação Science and Development Network
(www.scidev.net).
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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