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Ciência em Dia
Cegos pela luz de "Matrix"
Marcelo Leite
editor de Ciência
Bem-vindo ao deserto do cinema.
"Matrix Revolutions", terceira e última parte (espera-se) da série que ejetara
Keanu Reeves para a incoerente condição de estrela, estreou quarta-feira com
muito brilho e pouca substância, como
nas duas fitas anteriores.
De certo modo, o filme dos irmãos Wachowskis -aqueles gênios que nunca
dão entrevistas, blá, blá, blá- se assumiu como o que é, um espetáculo inconsequente. Nada que penetre além de retinas exauridas pelo pulsar incessante de
pixels em que se está transformando o
cotidiano das pessoas, pelo menos daquelas com renda para comprar jornais.
De fato, assiste-se a uma pequena revolução no universo claustrofóbico de Neo,
o Predestinado, e sua sarada Trinity. Esqueça aquelas baboseiras de telefone fixo
para escafeder-se da rede totalitária, ou
humanos aprisionados em casulos para
produzir energia. O glacê zen-cristão
também desandou, assim como a filosofia e as menções a Jean Baudrillard. Ufa.
Os efeitos especiais tomaram conta da
produção, assim como o virulento agente Smith passou da conta e paga por ela.
Às favas com os escrúpulos de verossimilhança -chegou a hora da mãe de todas as cacetadas, em Smith e no coitado
pregado à cadeira do cinema.
Se o seu negócio é velocidade, barulho
e luz, não deixe de assistir. Na opinião de
um pseudofã, a terceira investida da rede
de marketing Matrix supera tudo que
você já viu entre uma e outra cascata de
caracteres verdes. As cenas são antológicas, como a da chuva.
As máquinas de guerra também são
maravilhosas, ainda que suspeitamente
similares -e igualmente ilógicas- às
que já povoaram outra série interminável, "Guerra nas Estrelas".
É difícil imaginar algo menos funcional
do que uma espécie de hipertanque equilibrado sobre pernas articuladas. E logo
duas, para ficar mais fácil de cair. Do ângulo do fascínio que são capazes de causar em meninos crescidos (a maioria dos
presentes à sessão do meio-dia de quarta
era de rapazes na faixa de 18-25 anos),
porém, são tão eficazes quanto Transformers 10 ou 15 anos atrás.
E isso é tudo, ou pouco. Uma quantidade impensável de trabalho e criatividade
está por trás de cada segundo de "Matrix
Revolutions", envolvendo talvez mais
operações artesanais do que os zilhões de
cálculos que precisariam ser operados
pela rede de supercomputadores para
sustentar cada item da matriz de "realidade" em que Neo vivera aprisionado
como Anderson. Tanto trabalho e criatividade, mas a serviço de nada.
A mensagem de "Matrix Revolutions",
se é que se pode usar esse vocábulo, no
caso, sem ofender o léxico, é para lá de
convencional e redutível a duas inanidades: 1. O amor é lindo; 2. Se você tiver fé,
você consegue.
Fé em si mesmo, subentenda-se. Ou no
indivíduo, no Um ("Neo/One"), com o
qual cada um dos garotões pode se identificar à vontade, como quem movimenta fanstasmas numa telinha manipulando com destreza os comandos de um Gameboy. No caso do filme, com o benefício adicional da passividade.
Se tiver fé em si mesmo (nas suas habilidades), você consegue passar de fase no
jogo da vida, arrumar um emprego, uma
garota do calibre de Carrie-Anne Moss,
encher os Smiths da vida de pancada (ou
de inveja). Para começar, compre uns
óculos escuros da hora.
Pura ilusão. Bem-vindo ao deserto do
cinema -e do consumo.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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