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Micro/Macro
Um pouco sobre o céu
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Vamos começar imaginando que é
possível, mesmo hoje em dia, olhar
para o céu. E isso tanto de dia quanto à
noite. De dia, fora as nuvens e o azul do
céu (imagine também que a poluição
não estrague essa visão), quem domina é
o Sol, viajando do leste para o oeste.
Claro, é apenas uma ilusão. Quem está
girando somos nós, do oeste para o leste.
Quem já andou de carrossel sabe bem
como isso funciona: quando o carrossel
gira, parece que é o mundo que está girando em sentido contrário. Pois o nosso
carrossel é a Terra, girando sobre o seu
eixo como um pião. Aliás, um pião que
está inclinado em um ângulo de aproximadamente 23,5 com relação ao
"chão", o plano onde ficam (aproximadamente) situados todos os planetas do
Sistema Solar.
À noite, esse movimento da Terra explica por que as constelações também
viajam lentamente do leste para o oeste.
Interessante que as constelações, que
acreditamos ser grupos de estrelas vizinhas, são na verdade outra ilusão. As estrelas compondo uma determinada
constelação podem estar separadas por
distâncias enormes, de milhares de anos-luz. Nós, aqui da Terra, percebemos apenas a sua projeção no céu, e achamos que
elas estão de fato juntas.
O efeito ocorre porque, às vezes, as estrelas mais distantes são também as mais
luminosas e aparentam estar mais perto
do que na realidade estão. É como se várias pessoas saíssem por um descampado à noite, levando lanternas de diferentes potências. Você fica no mesmo lugar,
olhando para as lanternas. Se as lanternas mais fracas estiverem mais próximas
de você, fica difícil determinar que elas
estão na verdade separadas por grandes
distâncias. A impressão é que elas estão
mais ou menos próximas, formando um
grupo de lanternas vizinhas.
As constelações são um presente dado
pela perspectiva celeste que, apesar de
ser tridimensional, aparenta ser bidimensional: o céu parece uma cúpula,
uma redoma que nos envolve.
Se o leitor olhar para o céu noturno na
mesma hora durante alguns dias (digamos às 22h), perceberá que as constelações não reaparecem no mesmo lugar,
mas se deslocam um pouco com relação
à linha do horizonte. Essa observação
pode ser feita focando a atenção em uma
constelação, como o Cruzeiro do Sul.
Essa mudança no céu se deve ao segundo movimento terrestre, em torno do
Sol. A Terra demora 365 dias para completar uma órbita em torno do Sol, e uma
volta completa equivale a um ângulo de
360. Portanto, a cada dia a Terra se desloca de um ângulo de 360/365 = 0,986
em sua órbita, ou um pouco menos de
um grau.
Quem vive em latitudes altas como eu,
longe o suficiente da linha do Equador,
percebe também a radical mudança de
temperatura e duração do dia que caracteriza as estações do ano. Muita gente
acha que o inverno é mais frio do que o
verão porque nessa época a Terra está
mais longe do Sol. Mas os leitores de
"Micro/Macro" sabem que não é nada
disso. As estações do ano são consequência da inclinação da Terra com relação ao
plano de sua órbita, o pião inclinado que
mencionei acima.
Suponha que o Sistema Solar seja uma
pizza: o Sol no centro e cada planeta uma
azeitona com um palito enfiado no meio.
O palito é para indicar a inclinação do
planeta em relação ao plano da pizza. O
da Terra está inclinado em 23,5 (o de
Urano, em 98!). Imagine agora a azeitona girando em torno do Sol, mantendo
fixa a inclinação do palito. O hemisfério
Sul é aquele abaixo da linha do Equador
da azeitona.
Fica claro que existirá um ponto onde
o hemisfério Sul verá o Sol mais alto no
céu (em torno de 21 de dezembro) e outro onde ele estará o mais baixo possível
(em torno de 21 de junho). A época do
ano com o Sol mais alto e, portanto, dias
mais longos, é o verão, e a com o Sol mais
baixo e dias mais curtos é o inverno. Caso a inclinação da Terra fosse menor, as
diferenças entre as estações seriam também menores.
É importante refletirmos um pouco sobre onde estamos neste vasto Universo.
A nossa visão do céu é produto dos vários movimentos da Terra, um em torno
de seu eixo, o outro em torno do Sol
-assim como nós e o Sol girando em
torno do centro da Via Láctea, juntamente com suas outras centenas de bilhões de estrelas e planetas.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
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