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Ciência em Dia
Células-tronco e sensacionalismo
Marcelo Leite
editor de Ciência
Um dos setores de pesquisa biomédica que mais crescem é o do estudo
das células-tronco. Trata-se de um tipo
de célula precursora que tem por característica fundamental a capacidade de
transformar-se em outros tipos de célula,
plenamente funcionais em algum tecido
do corpo (como neurônios no cérebro).
São por isso encaradas como uma grande promessa no desenvolvimento de terapias para doenças e condições que envolvam destruição ou degeneração de tecidos, como o mal de Parkinson.
Por outro lado, células-tronco também
têm a propriedade inquietante de multiplicar-se com facilidade. É uma característica que partilham com células tumorais. Com efeito, injetadas em cobaias têm o poder de induzir a formação de teratomas, tumores com diversos tecidos no seu interior, de pedaços de ossos ou
dentes a tecidos musculares e até pêlos.
Mesmo o mais entusiasta dos pesquisadores de células-tronco concordaria
que será preciso proceder com cautela,
no caso de um dia surgirem de fato usos
clínicos para as células-tronco. Não seria
racional injetá-las no cérebro de uma
pessoa para tentar curar o mal de Parkinson, se não estiver excluído o risco de
com isso produzir-lhe um tumor.
Philip Noguchi, do Centro de Avaliação e Pesquisa Biológicas da FDA (agência de fármacos e alimentos dos EUA),
encarregado de fiscalizar a pesquisa clínica com células-tronco, costuma alertar
jornalistas de que "a ausência de prova
não é prova de ausência", ou seja, que
não poder provar a ausência de riscos
não significa que eles não existam. Ele
considera que, no caso das células-tronco, jornalistas estão fazendo só as perguntas positivas para cientistas, perguntas sobre o que eles já descobriram de promissor sobre as células-tronco.
Isso decerto tem contribuído para propagar a aura "sensacional" desse novo
campo de pesquisa. Para o funcionário
da FDA, estão faltando mais perguntas
dos jornalistas sobre o que os pesquisadores ainda não conseguiram descobrir
sobre as células-tronco, como a origem
de sua atividade tumorigênica.
Como diz Boyce Rensberger, que dirige o programa Knight de Jornalismo
Científico no Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), "fazer reportagens sobre ciência significa procurar por
sinais de cautela". A recomendação de
prudência se encontra num artigo para o
último número (outono de 2002) da revista "Nieman Reports" (Universidade
Harvard), quase todo ele dedicado ao
jornalismo científico.
O padrão de exageração, ou "hype", é
conhecido. Foi assim com as terapias genéticas, foi assim com o Projeto Genoma
Humano, foi assim com a descoberta dos
oncogenes, foi assim com as drogas antiangiogênicas no combate ao câncer. Só
depende de nós, jornalistas, mas também dos cientistas que têm a paciência e
a coragem de lidar com o público, evitar
que esse mesmo padrão de euforia e decepção se repita, por exemplo, com a
nascente biotecnologia das células-tronco, ou com a da interferência de RNA, ou
com a da proteômica -que deve rivalizar com a genômica em seu apetite voraz
pelos milhões e bilhões de dólares da
pesquisa biomédica.
O sensacionalismo que se faz com a
ciência talvez até seja mais danoso, no
longo prazo, do que o sensacionalismo
que se faz contra ela.
O jornalista Marcelo Leite frequentou seminário
de três dias sobre células-tronco com uma bolsa
do Centro Knight para Jornalismo Especializado
(www.knightcenter.umd.edu)
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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