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Micro/Macro
Supercordas e dimensões extras
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
É perfeitamente plausível que o espaço
tenha mais do que três dimensões. Como se sabe, nem tudo que existe é perceptível pelos sentidos. O fato de ninguém ver
um vírus ou um elétron não significa que
eles não sejam reais. Uma das funções da
ciência é revelar esses mundos invisíveis
aos nossos olhos, por meio de tecnologias
que ampliam nossa percepção da realidade. No caso do vírus, são microscópios. No
caso de elétrons e outras partículas subatômicas, são aceleradores de partículas.
Com as dimensões do espaço, a situação
é um pouco mais delicada. Um dos grandes sonhos de muitos físicos é construir
uma teoria que descreva de forma unificada as quatro forças que existem entre as
partículas de matéria. Duas delas, a gravidade e o eletromagnetismo, conhecemos
bem. As outras duas, as forças nucleares
forte e fraca, existem apenas dentro do núcleo atômico. O grande desafio é tratar a
gravidade em pé de igualdade com as outras três forças. Para isso, é necessário descrevê-la em termos quânticos, ou seja, como uma força transmitida por pequenos
emissários chamados grávitons.
No caso do eletromagnetismo, os emissários chamam-se fótons. Imagine dois patinadores no gelo atirando bolas de bilhar
um no outro. Se os patinadores forem elétrons se repelindo eletricamente, as bolas
de bilhar são fótons. Como os elétrons têm
massa, eles também se atraem gravitacionalmente, trocando grávitons.
O problema é que, segundo as leis da mecânica quântica, a parte da física que rege
essas trocas de emissários de força entre
partículas, não existe um limite no número
e na energia dos grávitons que são trocados por partículas com massa. Ou seja,
uma descrição quântica da gravidade leva
a resultados absurdos, gerando números
infinitos que não fazem sentido.
A solução, proposta durante os anos 80, é
se livrar do conceito de partículas como
sendo as entidades fundamentais de matéria. Por que não imaginar que todas as partículas que existem, as de matéria e os
emissários de forças entre elas, são simplesmente vibrações diferentes de outro tipo de entidade, as supercordas? Antes de
explicar o "super", explico a "corda". Tal
como em cordas de violão, em que as notas
correspondem a freqüências diferentes,
pode-se imaginar que essas supercordas
vibram de modos diversos, cada qual equivalente a um tipo de partícula. A vantagem
é que cordas são objetos lineares, o que
ajuda a curar os infinitos que aparecem
quando partículas trocam grávitons. Ajuda, mas não resolve.
Para dar jeito mesmo no problema, as
supercordas têm de existir em espaços
com nove dimensões espaciais, seis a mais
do que percebemos. O prefixo "super"
vem de uma propriedade que esse objetos
têm em dez dimensões, a supersimetria.
Basicamente, em uma teoria supersimétrica, partículas de matéria e emissários de
forças são conversíveis entre si. E isso cura
os infinitos que aparecem na gravidade
quântica. Resumindo, as partículas de matéria e as de força são todas vibrações de supercordas que existem em dez dimensões.
Parece loucura, mas não é. As seis dimensões extras só tinham o mesmo tamanho
das outras três durante os primeiros momentos de existência do Universo, quando
ele mesmo era tão pequeno quanto uma
partícula. Com o tempo, as três dimensões
que conhecemos cresceram, mas as seis extras continuaram submicroscópicas. (Ninguém sabe como se deu essa separação. Há
várias propostas, inclusive algumas deste
colunista, embora nenhuma convincente.)
Se elas existem mesmo, são tão pequenas
que não podemos vê-las. Teorias recentes
dizem que talvez elas não sejam tão minúsculas, podendo até ter tamanho semelhante ao de um vírus. Qualquer que seja o seu
tamanho, a confirmação de sua existência
causaria uma profunda revolução na nossa
compreensão do mundo.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
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